31 dezembro 2004

guarda tu, agora, é a tua vez...

Coimbra, em manhã de nevoeiro, escuro, baço
Em dia sem tempo(s) para ir ao teu encontro, dar-te um abraço,
Escrito e dito, na data que se pendurou em moldura, indiferente, estranha ao que se vai dizer…

Querido Palhaço,
Caiu um nevoeiro cinza por cima do nosso Mar.
Denso, quase escuro.
A separar-nos.
Consigo ver ao longe o desenho do teu brincar em forma de sorriso.
Enorme, GIGANTE, vermelho-de-encantar.
Parece, (o teu sorriso-palhaço), um farol escondido no ar e do tempo (lembra o teu vestir, ás riscas, a circular cambalhotas, a sorrir, sempre a sorrir, ora vermelho, ora rir)
Envio-te este escrever, em carta, não vás esquecer-te que continuo aqui, a esperar-te e a ver-te. Tenho coisa tua, para te dar, quando este cinza, quase mar se levantar em nuvem para outro lugar. É aquela lágrima tua-nossa que sobrou do nosso Mar, quando nos entretínhamos a sonhar, sem tempo(s). Está aqui, na minha mão, para a devolver, é a tua vez de a guardar.
Um abraço, saltimbanco-vagabundo, para ti, para o meu melhor amigo, palhaço…

Ps. Dei conta, hoje, só hoje, que não é possível pintar um palhaço, sem a ajuda do vermelho, mesmo que se vista todo de amarelo…
PPs: Não disse, digo-o agora, tenho tantas saudades tuas…

In " Blogue de Cartas"

30 dezembro 2004

não os pintei...

Fui de asas emprestadas por um bando de gaivotas-de-rio e transformei-me em brisa, quase água, quase silêncios.
Passeei em terras de verdes-frio, sem cinzentos-fosco, puros, autênticos.
Vagueei nos meus verdes. São os meus verdes...ainda só olhar.
Não os pintei…
Parei. Numa espécie de pausa de Vida, de instantes, para ouvir todos os pedaços de silêncio…aqui o melro…ali a perdiz… mais além o canavial, pedaço em pedaço, trazidos pelo vento.
São os meus sons...ainda só olhar.
Não os pintei…

29 dezembro 2004

a ameixoeira do quintal...

Era uma árvore feia, escondida entre muros do quintal.
Escanzelada.
Talvez da enxertia, talvez da sua insignificância, ali estava, Inverno após Inverno em silêncios, na sua solidão de ameixoeira.
Nem o vento a acariciava em brisa e o sol só quando feria, a visitava.
Talvez por tudo isso era feia, a ameixoeira do quintal.
Em jeito de grito, resolveu carregar de frutos os seus frágeis ramos até não poder aguentar o peso da sua desesperança. Um a um foram partindo, amputando os braços, as mãos e os frutos num silêncio de indiferença.
Tivesse decidido o seu grito em ano outro e tudo seria diferente, mas este, foi ano de angústia, de doenças várias e o quintal ficou sem os sorrisos, sem os olhares, tempo de mais.
Quase morreu, infectada de fungos, de talas de emergência e a sua feiura já de si saliente, estilizou-se em apelo, em socorro numa tentativa desesperada de cativar olhares.
Cativou.
Com carinho, falas muitas, de serrote na mão, lá se aparou o esqueleto enrugado e perdido, da ameixoeira do quintal.
Não sei se foi da conversa, ( ou das confidencias trocadas) se da debilidade, se da feiura, ou pelo simples facto de ter ouvido os seus gritos, mas os olhos, os meus, regressaram cheios de preocupação e de laços.
Quando voltar da cidade grande, o meu primeiro olhar será para a minha nova amiga…
É tão bonita a ameixoeira do Quintal…

22 dezembro 2004

um Natal de olhares

Vou estar uns dias fora.
Levo-me apenas.
Sem tecnologias sem nada.
Vou, no meu ir.
Volto depois…

Deixo uma oração, a minha e começa assim…

"Que todos os dias, os dias todos, os olhares, os meus, os teus, os nossos, Todos, se focalizem em Todos os olhares que gritam silêncios… "

Assim seja…

ah se começasse hoje, que Natal seria amanhã...

portas por abrir

Ah, com gostaria de ser um livro e de me metamorfosear em cada um dos sentires que nascem entre a folha, a palavra e o olhar, de cada um que se finge na história e que não chega a germinar.
É no que se passa entre o "olhar e a coisa", entre a imagem e o desenho, entre a história e a palavra, entre o ser e o existir que se encontra a porta do maravilhar…

21 dezembro 2004

(com) fusões

Tenho esta tendência amarga de me ingerir em sabores exóticos e de não saber por onde ir, transformado em nevoeiro-cinza-azul, de um cachimbo que insiste em sussurrar-me palavras que não ouso sentir…
*
Em mim?
Noutro?
Não!
Sou um "passo-pássaro" que olha o Eu que não Me diz.
Por isso vou.
Sempre.
Nem sempre em voo…
Mas estou aqui,
em mim…
Outro?
Não!
Só se morto!

*escrito em guisa de comentário, agora revisto e rescrito, em à luz de uma vela

Não gosto de explicar o que escrevo, porque o escrevo sem explicação, mas quando percebo que me escondi em demasia nas palavras sinto essa necessidade, não vá um de vós tratar mal as palavras que me fizeram companhia no instante de me saltarem do ver, por isso aqui fica o meu olhar dissecado:
Estava sentado no meu espaço com um livro de Lobo Antunes na mão e fiquei parado a pensar, num ausência completa. Fumava o meu cachimbo ( engolir sabores exóticos) transformado em fumo ( nevoeiro-cinza-azul) , sem saber por onde ir ( tentativa de retrato de uma ausência).
Quando fumo cachimbo, tenho o hábito de fantasiar histórias enquanto sigo o desenho do fumo (sussurrar-me palavras que não ouso sentir).
A segunda parte foi um comentário que deixei no “À Luz de uma Vela” e foi inspirado na leitura de um verso lindo da Ridufa, mas tem a ver com a primeira parte do texto.
Pretende questionar o seguinte:

O que fantasio, existe em mim ou noutro eu que me habita?
Respondo, decubro-me, que não existe um outro, que sou sempre eu, mas um pássaro (sonhador) que voa que interroga a sua essência à procura de um Eu escondido.
Por isso caminho (procuro, vou), mas nem sempre no sonho( nem sempre voo),mas sempre comigo e com os meus princípios, com o meu querer.
Ser outro?
Só depois de morto (revela, sublinha, a minha teimosia em ser EU)
Foi isto que se escreveu naquele instante, e não coisa outra...



20 dezembro 2004

quando se ouve poesia

Desenho-te, não o corpo, não as palavras que te correm sentidas no dizer de um verso, mas a menina que brinca com o olhar e os sorrisos que te fogem do VER abraçados em alegria.
Sorrisos endiabrados de sedução e fantasia.
Vagueias, no palco, numa história que não contas, mas que te desenha nos gestos, um bailado de contares infantis…Quatro, dizes tu, personagens deste conto, sublinhas…
São de facto.
Quatro.
Quatro melodias, mas um só olhar, e esse é o teu.
Só teu.
O de uma menina que foge do corpo, da pele, da vida e dança com os olhos, divertida.
Não eram precisas palavras, para ouvir poesia.
Bastava aquele olhar, e ficava ali todo o dia…

19 dezembro 2004

chuva num campo de papoilas



Hoje passeei-me num campo de papoilas, que nasceram à chuva só para me olharem...
Ficaram assim, desta forma a sorrirem-se para uma gaivota que resolveu voar...

17 dezembro 2004

dá-me um sorriso...

Dá-me um sorriso” ouvi em eco de longe, como quem pede “pinta-me um quadro, de azul, preciso de azul, do teu azul…
Fiquei com as palavras a saltitar-me no sentir, agarrei nas cores e nos lápis, coloquei-me frente ao espelho e desenhei-o. Primeiro a base, depois o esboço e finalmente as cores (poucas que o tempo é de crise).
Houve momentos subtis no pintar, em que cheguei a fechar-me no olhar à procura do sentir. Foram esses momentos que salvaram a pintura.
Quando (re) olhei , lá estava o sorriso...Discreto, é verdade, só não era azul…

16 dezembro 2004

15 dezembro 2004


Esperas, sem angustia.
Perdeste tudo, até a dor.
As horas, desfazem-se no tempo que te foge, sem gritos. Sem os teus gritos, que és menino sem voz.
Longe da humanidade, sem memória, sem passos nem caminhos, esperas, o nada.
Olhas, o desespero de teres perdido o sentir que mendigas, sem existires.
Já não és nada, nem numero, és buraco negro, indiferente, sem cor nem passos.
Roubaram-te o caminho, espezinharam-te a alma, mas continuas aí vazio sem nada, à espera. Nem a morte te quer, porque a morte só deseja a vida.
Hoje o meu dia, é teu, sou o teu grito, o teu vazio o teu nada...
Não tenho presépio, nem palha.
Espero.
Olho.
Estou ao teu lado, sem grito, vazio, pintado de vergonha e de cara tapada...

14 dezembro 2004

saber não ser...

Tentei desesperado desenhar uma flor que não queria existir. Fugia-me do lápis em gota de aguarela, envergonhada.
Escondia-se em cada pedaço do olhar que a inventava, triste, desfragmentada.
Não me desenhes, se não me sentes, se não me ouves, se não me cheiras. Não basta que me saibas a cor, disse-me baixinho para não me envergonhar nem me fazer sentir dor.
Como era linda, a cor daquela flor…

13 dezembro 2004

não fosse aquele menino…

Passei por um circo saltimbanco, sem palhaços, leões ou malabaristas.
Erguia-se numa tenda enorme cheia de coloridos e de fanfarras.
Era um fantasma de mim, vazio, sem nada.
Ah, mas tinha uma bailarina linda, que dançava sozinha, parecia saída da fantasia, não da minha, que estou sem cor no olhar, mas daquele menino que ali estava quietinho a sonhar…

(desculpem, quem lê, esta fase egocêntrica onde cada palavra que me sai do sentir, escreve um eu, ou um em mim, isto passa, tenha eu vontade de sair de mim...)

12 dezembro 2004


A Cláudia, amiga da Marília ( tinta permanente) vai dizer poesia, num sonho que tinha de fazer teatro. Posted by Hello

sede

Passeio-me só, numa ausência voluntariamente vagabunda ao longo do caminho a colher cores. Cada uma é um significado que guardo para redescobrir. Não o desenho, caminho-o.
Nestes dias, em que me converso e me oiço, fico sem me saber, porque aquilo que me encontro, é uma espécie de água que se bebe sôfrego sem saber de onde ela vem…

11 dezembro 2004

perguntas sem um sentido

Perdeste-te? Será que te esqueceste de questionar por onde é o caminho?

Porque não nos interrogamos sempre, sobre o que fizemos com a nossa humanidade durante o dia que se nos consumiu no olhar?

Quando uma ave voa sozinha, será que anda perdida?

Queria tanto sentir-me “olhar” e não um pedaço de nada esquecido de se interrogar…

InApontamentos para um Manual de como interrogar a inquietude. A nossa.

09 dezembro 2004

metade(s) do UM

Porque metade de mim, és tu que não estás e não estando, não há meia solidão, há uma coisa enorme que dói por inteiro no coração.
A outra metade, que só tua,são passos-pincel, que pintam cores e vida.
A metade que me resta, ah a minha, só se for poesia...


07 dezembro 2004

um pedra cheia de querer

Engracei com uma pedra. Não pela cor, nem pela forma, mas por estar ali no meio do meu andar.
Olhei-a, em conversa (daquelas conversas que temos com todas as coisas que nos entram no olhar e ali ficam a provocar-nos, seja pedra, rio, nuvem, quadro, flor ou coisas outras), mas ela mandou-me seguir caminho.
O meu parar incomodava-a “ Sai! Sai da frente! Sai! Não ouves?” Repetiu-se em soluços simpáticos mas insistentes.
Fiquei intrigado, porque não a imaginava com olhar. Pedra que é pedra, não tem frente nem costas quanto mais “olhar”.
Fui. Na volta tornei a vê-la e parei-me provocador, mas não me disse nada.
Sonhei”, pensei “ lá estás tu com as tuas histórias”, disse-me. Fui com toda a intenção de ir, mas fui interrompido por um sussurro, “Espera! Fica aqui comigo! Preciso de ti!”. “Para quê? Porquê?”,Cansei-me de ser pedra! De manhã quando passaste por mim, estava a olhar para aquela papoila, aquela que ali está, a olhar para mim. Quero que me transformes em papoila!”, “Mas tu nunca serás uma papoila! Serás sempre uma pedra!”,Tu também já foste menino e agora és homem, porque razão não posso ser papoila?”

Agarrei nela e esculpi-a, papoila…

O sol encarregou-se de lhe dar cor…

06 dezembro 2004

aguadas

A sombra pesa-me no olhar.
Transpareço-me em aguarela, de aguada em aguada. Esquisso de mim que persiste em esmagar-me a cor.
Segue-me, escura, pesadamente fina, em película de terra negra, suja…
Agarro-a!
Estendo-a ao sol!
Gargalho-a com humilhação no rir libertino, ao vê-la evaporar-se, leve, numa nuvem descolorida em fuga desencontrada, para o mar…

Os comentários lidos até ao momento deixaram-me preocupado com o sentido e o (des) sentido que as palavras tomaram.
Não é a primeira vez e não será certamente a última, que elas (palavras) me fogem do sentido, do meu. Por isso gosto tanto delas.

Expliquemos então o escrito, como foi sentido no instante em que tomou forma:

Acordei confuso, com se uma sombra me retirasse o olhar, o entendimento. Coisa normal, quando se acorda cedo e se dormiu pouco. (A sombra pesa-me no olhar).
Tentei entender-me, descobrir a causa (daí o translúcido) quanto mais transparente menor é a sombra que se projecta, quanto maior for o entendimento menor será a sombra. Como sou homem das cores imaginei que essa clareza pudesse ser representada por cores de aguarela, normalmente mais claras, logo mais translúcidas. De aguada em aguada, representa as várias tentativas de aclarar as cores.
O esquisso de mim, é o esboço que a sombra reflecte no chão ou na parede, não é relevante, só falo no chão por causa do dito seguinte. Escrevo que mesmo assim, o raio da sombra me persegue e sombra que se preze, esconde (esmaga) a cor. ( a ideia do texto foi a de dar peso à sombra, que obviamente não o tem, pelo menos mensurável)
“Segue-me pesadamente fina”, não necessita de explicação, aqui as palavras ficaram agarradas ao seu significado.
A película de terra suja, é a imagem que tenho da sombra, e como de seguida a vou pegar, tive que previamente a transformar em película. Terra suja, é só para acentuar o escuro da sombra.
Estendo-a ao sol. Foi o que fiz. Quando se lava a roupa põe-se a secar.
A imagem e o acto, deu-me vontade de rir. Um rir libertino, porque libertador. (hoje a palavra”libertino” e o sentir associado não me largaram o olhar depois da sombra partir) Já imaginaram a vossa sombra pendurada num fio a secar???? Eu ri-me até ela se sentir humilhada, porque o riso teve a arte de a fazer desaparecer. Evaporou-se e pronto.
Quando há vapor há nuvem e esta de tantas tentativas que teve minhas para se descolorir ficou assim mesmo, descolorida. Para o mar vão e vem, as nuvens…
Posto desta forma, já não há mais explicações a não ser o porquê de me sentir assim libertino, mas isso não explico, é só meu…

02 dezembro 2004

a estrela

Ouvi uma melodia que me abraçou, entrou suave e tomou conta de mim.
Vinha de uma estrela que atrevida aprendeu a tocar guitarra só para me encantar.
Ainda lá está, a sorrir-me.
Será que ela sabe que a vejo e oiço, aqui de longe e que os meus lápis dançaram uma história em aguarelas só para ela?
Talvez não saiba, o melhor mesmo é ir dizer-lhe…

01 dezembro 2004

o muro

Há um muro que me persegue, que se julga senhor dos meus labirintos.
Não tem sorte este muro que de tanto me acompanhar, é o meu muro. Sabe ele que voo, que lhe abro janelas, mas ele insiste tanto em me empurrar com a sua sombra que foi com ele que aprendi a ser teimoso.
Só hoje percebi que o muro é afinal, a linha do meu caminho. De um lado está a realidade do sentir, do outro a do olhar…
A gaivota leva-me de um ao outro lado do muro, mas o caminho que me levam os passos, esse é o muro que construo.
Por isso gosto tanto do Mar. É aí que o sentir e o olhar se fundem, numa espécie de sonho que se vive sem voar…
O muro, esse, é vulgar. Não é mostrengo, nem formiga, nem poeta, nem Quixote, é um muro de tijolo-pedra que se estende devagar…

30 novembro 2004

como uma pedra escondida no Rio...

Sou o que me resta do sentir, um reflexo de mim mergulhado, quase pedra, em água de rio que se (des) ondula em aguarelas que se fingem cor, (des) centradas do existir...

29 novembro 2004

quando...

“Quando as aves morrerem, aprenderei a voar…”

Entrou um mim, sem aviso nem arauto, esta necessidade-vulcão, quase vida, de percorrer o espaço que se esconde no olhar, livre de passos, de caminho e de amarras.
Mas estou aqui.
Aqui, neste exacto instante, imóvel no Ser, preso no Eu, sem dar um passo, com o olhar enterrado, a desenhar o que sinto e não sei.
Preso, nos passos não dados, imutável na ausência a (des) sentir…
Resta-me tentar impedir que as aves morram e pedir-lhes que me levem o Olhar no seu voar, determinadas no ir…

27 novembro 2004

estante

Desenhei uma estante, esguia.
Escolhi o ponto de fuga, levemente ao centro. Traços verticais, primeiro (nada se faz sem arrimo, mesmo uma estante, esguia), depois os horizontes. Sete (é um gosto que tenho)! Uma estante com sete horizontes, portanto. Depois as janelas, (outro grado que tenho, poder espreitar e ver, mesmo que através de uma estante de sete horizontes). Finalmente os livros (é de livros a minha estante, outro prazer, meu). Livros, de histórias escritas, misturados por todos os horizontes, uns juntos aos prumos, outros, a desenharem janelas. Depois de tudo distribuído, tudo muito bem desenhado e colorido, sentei-me a imaginar os livros que ainda ali não estavam, e as histórias que a minha estante ainda tinha para contar.
Não cabiam.
Andavam a voar, aqui e ali, entre os horizontes, à procura das cores para se pintarem…

26 novembro 2004

significações abstractas do sentir

O amor é coisa simples, não é possuir ou ser possuído, é carinho, é beijo, suave, sem dor, não é verso, nem flor, é brisa que passa, que nos olha e nos transforma em cor.
Amor é coisa simples, é carícia, é palavra, é gesto, acto, apoio, não é meu, nem teu, é nosso.

Amor é sentir, que já não sou eu...

25 novembro 2004

vermelho, do meu...

Gosto do vermelho, mas não por inteiro.
Aliás não gosto de cores inteiras.
Quando misturado com amarelos mergulho no meu vermelho-campo-que-se-sente-mar-ao-fim-do-dia. Misturo os amarelos para lhe dar um matiz de luz-do-olhar.
É assim quase todos os dias.
Só quando me zango com o sentir, uso as cores vivas.
Com raiva e traços únicos.
Precisos.
Cheios de ir.
É nesses dias que uso vermelho. De sangue, do meu, que se dilui em sal-de-lágrima, mas só depois do desenho…

24 novembro 2004

escultor sem pedra

Agarrei numa lágrima, com todo o cuidado para a esculpir, queria dar-lhe outro sentir, mas era endiabrada, esta minha lágrima.
Sem me olhar escapou-me da mão, a fugir…

23 novembro 2004

folha de outono, em forma de palavra

Como uma folha de Outono, desceu suave.
Uma palavra.
Numa dança de cores, leve, lentamente leve.
Uma única palavra.
Simples.
Daquelas palavras que escondemos, não vá o uso desfazê-la.
Como uma folha de Outono, quente, desceu em forma de beijo e de abraço.
Veio.
Caída, em voo cantado.
Sem ventos.
Encantada, a desenhar um quase horizonte.
Não lhe pude fugir e sorri-me todo em tons de Outono, maravilhado…

naufrago

Sinto em mim um navegar sem sentido.
É um retrato em que me repito no dizer.
Sei que vou sem velas nem direcção. Só que hoje vou sem vontade nem ventos.
Estranho de mim.
Saí do retrato e da cor.
Uma espécie de sombra sépia que não devia ali estar, mas que se desfoca num riso louco, demente.
Sou uma quase ausência, deambulando no existir.
Gostava de ter outro em mim, menos triste, todo colorido de ondas-espuma-ao-por-do sol. Mas sou navegante sem barco, sem onda, nem vela.
Naufrago de mim, em galope torpe, em golpe de mar, sem fim…

22 novembro 2004

ecos que choram em desespero

Lembro-me de um dia ter gritado a quem me olhava cheio de interrogação e duvida, “ Não me inventem o Eu!”…
Hoje, grito-me com os mesmos sons, num repetir cheio de angustia e desespero, “ Não me inventem, deixem-me simplesmente ser Mar…”

21 novembro 2004

noite(s)

De noite transportamos os nossos vazios. Pesados, guardados no olhar.
Não os vemos, só os sentimos. Moldam-nos o dia que se esconde na fantasia de ser ainda, apenas um esboço.
Um dia pinto a noite. Preencho-a toda até transbordar, com as cores de um sonho que se desenhou de dia.

20 novembro 2004

pacto

Há sentires que não se escrevem, não por serem nossos, íntimos, mas porque não cabem num sinal, numa frase, num poema ou história.
Entram em nós e pedem-nos silêncio.
Ficamos reféns desse pacto e passeamo-nos com eles, com o olhar todo para diante, como um menino que passeia o seu balão, convencido que transporta uma estrela. A SUA estrela.
Hoje, sem dizer nada a ninguém, andei a passear com eles, todo cheio de sorrisos escondidos, não fossem eles assobiar e quebrar o silêncio…

19 novembro 2004

construtores de redes…

Sento-me num chão branco-sal a olhar os azuis entre redes por remendar.
Misturo-me nas cores de vidas-do-mar, em caminhos enrugados, de noites em branco, escuras de ventos, sozinhas no mar.
Pescam a vida sem horizontes, num horizonte, escuro de luar.
Olho os homens que se sentam, vergados, sem sonhos, a suturar malhas de ar.
Sonham lágrimas sem sal e que o mar os deixe sempre chegar.
Têm redes para remendar…

( numa rua de Sesimbra, em tempos já passados, trazidos num búzio que se fez ouvir baixinho, numa espécie de beijo escondido…)

18 novembro 2004

em viagem...

Tenho andado por aí, repisando os passos que dei, lento, de olhar todo posto em mim.
Só em mim, não vá desfocar-me.
Não que os outros e as cores que me envolvem tenham perdido importancia, mas porque preciso de acreditar-ME.
É vital para mim, saber o tom das cores em que me pinto.
Por muito sonhador que seja, preciso de não me duvidar, de não me trair.
É fase de puro egoismo viajante, uma espécie de tentativa de equilibrio, numa corda que balançou de mais e o corpo, os gestos e o olhar são obrigados a concentrar-se num unico ponto; o que estabiliza e equilibra, a corda e o corpo.
É esse caminho que percorro, passo a passo, sem tempo, de mim para mim.
Estou hoje mais sereno, porque me vi e revi no andar no fundo de um quadro, denso nas cores, mas aqui e ali vi-as.
Eram as minhas cores...
Inspirei no profundo de mim...

16 novembro 2004

hoje chamo-me zé

“ Vou viajar” gosto do sentir, mais do que as palavras que o transmitem.
Eu que ando sempre em viagem pelas cores, com palavras ou sem elas , viajo com o olhar para onde ele me leve.
O meu Hoje é diferente.
Pouco interessa o Hoje se o ontem foi tão escuro e denso.
Vou sem porto, nem rumo.
É o meu costume, só que Hoje vou sozinho, liberto de um Eu que me incomoda, vou em voo, sem gaivota…
Hoje chamo-me Zé...

15 novembro 2004

dor

Há palavras que beijam, outras que ferem.
Vezes, muitas, as mesmas, porque o que dói é o olhar...
É ele que as diz..

que as ouve...
que as sente...
Hoje não vou abrir os olhos, não vá cegar...
Há palavras assim, frias, secas que nos impede o navegar...
Hoje fui embora de mim, talvez volte, talvez não.
Talvez deite fora todas as palavras que me fazem confusão.
Se me restar alguma, talvez volte, ou não...

13 novembro 2004

tentativas desajeitadas, ou matemáticas absurdas do sentir…

Tentei desenhar o silêncio...
Não consegui, senão pintar a palavra amor…
( ou terá sido ao contrário? Não é relevante, são sentires distributivos)

Isto de pôr matemática no sentir e nas palavras é coisa que me acontece com raridade.
Deve ser falta do Mar. ( a) mar?

O melhor mesmo é ir vê-lo e mergulhar…

11 novembro 2004

o meu lápis, que nunca o foi...

No meio de uma escrita, que já não era minha, porque a pensava para outro, o meu lápis, o meu companheiro mágico, soltou um sussurro melodioso, terno, como quem abraça e disse-se assim, “ está na hora de ir…”
Olhei-o, sem perguntas.
Já estava à espera do momento.
Sabia-o, desde menino que aquele lápis, que renovava no mercado das cores mágicas, ao longo dos anos e do sentir, um dia, partiria sem explicações nem despedidas, simplesmente porque é mágico este meu lápis, sempre o foi…
Junta-me a essas palavras, embrulha-me nelas e põe-me a viajar…”
Olhei-o novamente, em voo no tempo numa revisita de sensações e de cores.
(É engraçado olhar para o meu lápis multicolor, cujo traço, bailava em tons nunca iguais, que me agarrava na mão e sonhava sozinho.)
Vezes muitas, desenhava-me um cavalo lindo e levava-me, de crina ao vento, em galope sem tempo nem destino, outras, mais raras, esboçava bailarina cigana, atrevida que me deleitava em prazeres exóticos e fantasias sem labirintos nem sombras.
Nunca o senti meu, apesar de ser o “meu lápis mágico”, porque sempre foi muito libertino.
Um dia, quando era só lágrima, descobri-lhe o querer: "semear uma suave serenidade em tons de felicidade…”
Pois que vá viajar…
Embrulhei-o nas palavras e voou-me.
Fiquei a ver, com um sorriso cúmplice, o meu lápis agricultor que semeia tons de cores que só ele sabe, a ir, cheio de irreverência...
Boa viagem…

10 novembro 2004

sabores. nossos. só nossos...

Zanguei-me com as palavras.
Andam a confundir-me.
Julgam-se senhoras do meu olhar.
Enganam-se, coitadas...
Há cores que não se escrevem nem se desenham. São só nossas e tem sabor a Universo...
Ficaram a olhar-me triste, em silencios que só elas sabem transmitir. Tenho vontade de as abraçar e de as juntar ao passeio de sentires que percorro sozinho envolto no meu silêncio, de mãos dadas com todas as palavras que não quero ouvir quando me passeio só com cores no Universo....

09 novembro 2004

desencontro de palavras. ou de sentires?

Vieram ter comigo duas palavras, "sonho" e "fantasia", muito zangadas comigo, quase enciumadas com o uso ou o desuso com que as pinto.
Sentei-as ao colo e esclareci-as, não fossem aparecer, atrevidas, em dizeres trocados e viverem sozinhas, sem orientação no meu sentir.
O "sonho" ( fitei com ternura a fantasia) é um desenho cheio de acreditar, doutra forma arrisca-se a confundir-se com a "fantasia" e torna-se inútil a sua existência.
Quando sonho, vejo todo um caminho à minha frente e ponho-me a escolher todas as cores com que o vou pintar.
A "fantasia" (virei-me lento, com carinho, para o "sonho" que impaciente me olhava cheio de interrogação), é só uma história que se conta para passar o tempo e divertir.
Ambas estão o meu sentir, só que uma é coisa séria, a outra é imaginação…

07 novembro 2004

à saida da floresta...

A floresta que me percorreu o olhar começou a chegar ao fim.
Entrelaçados, sonhos velhos, pintavam-se já de sombras sépia ( cor fora de propósito numa floresta de sonhos, de cristal, pensamos nós que não percebemos nada disto que se desenrola no olhar desse aí que escreve no meio de um sonho).
Como uma porta que se abre ao som de um vento-brisa, em cores de sol-rasteiro, uma enorme clareira.
Ao centro ( estranho este olhar, decidido de quem conta, nós aqui que observamos a cena, custa-nos imaginar um centro quando o espaço se perde no horizonte), uma cubata redonda, com tecto cone, em capim-torrado, sem paredes, apoiado em cinco pilares de madeira, quatro, pintados ás riscas zebra(em desenho de quadrado), e um ao centro, maior, imponente, em pau-ferro, feito mastro de navio gigante a apontar o céu…
Sentado, mimetisado na cor, estava um homem magro, quase osso, sem idade.
Entrei em passos sem sons e sentei-me de fronte, a olhar os olhos que se sugavam de luz, mas que se sentiam vivos, fortes, como o mastro sem vela que apontava o céu.
Sem vento nem mistério perdi-me no tempo, porque me vi menino, naquele mesmo espaço, perante aquele mesmo homem, intemporal ( ele e eu, numa fusão de sentires, inexplicavelmente nossos).
Vindos do olhar senti percorrer o corpo até à alma uma tranquila serenidade.
Minha, não dele.
Ela, sussurrou-me, num prazer leve, quase sorriso” Não, não é magia, nem mistério. Quando se leva nos passos a procura, o inevitável é defrontarmo-nos perante a descoberta, mas quando é a fuga que nos movimenta os passos, tudo se esconde nas sombras e até o olhar se transforma em medos…
Por isso estás sereno, perante o que procuras…

05 novembro 2004

Floresta(s)

Entrei numa floresta de sonhos.
Floresta de cristal (não que um sonho, ou muitos juntos sejam transparentes, pintam-se de muitas cores).
Sonhos de outros, meus também.
Só todos eram COR, por isso me perdi neles (ou na COR, não sei…), transformado em folha solta que paira de árvore em árvore sem tocar o chão. De reflexos.
Rubros, uns, violeta-água, outros.
Frescos, de cristal…
Tenho que aprender a andar nesta floresta (de sonhos, não é demais sublinhar), sem pisar nenhum dos passos, não vá a COR fugir e quebrar-se em lágrima

04 novembro 2004

caroço de laranja

Hoje senti-me laranja.
Espremida.
Livro, sem letras, nem palavras, nem desenho.
Oco.
Negro.
Esquecido do olhar, dos sinais que me envolvem o ser.
Hoje não caminhei.
Andei sem passos, sem tempo nem cor.
Esvaí, gota a gota o sumo da alma que me habita o eu.
Ficaram as sementes, caroços largados por aí, sedentos de terra.

Hoje, quando o sol estiver laranja, vou PLANTAR-ME!

03 novembro 2004

tambores

Oiço batuques ao longe, em danças de vento que me sopram cicios de África.
Vêem em gritos de chuva, num toque, toque baço, ritmado em galope de Impala.
Navego em barco-à-vela-de-capulana num cinzento que se pinta em tempestade. Cheiro, a terra quente, que cavalgo em pacaça-alada, deselegante, pesada.
Confundo-me, difuso, na savana de terras-sangue, em letras-palavras que me levam a liberdade.
Estou sem conto, num encanto a um canto, perdido entre ventos e vontades que cantam, ao som do batuque, num toque, toque, a galope, num golpe de asa que me foge, em cartas abertas, sem olhares, nem envelope…

02 novembro 2004

Interiorizações para as quais não se pensam explicações…

Não é um nada, muito menos um vazio, é coisa estranha que se encontra entre o olhar e o sentir.
Movimenta-se, insinua-se numa permanência suave que aquece, mas inibe a imaginação.
Não lhe sei corpo, nem cor.
Visita-me em abraços que se sentem na fantasia de um conto sem história ( não há história quando não existe caminho).
Andei por aí com uma presença translúcida de mim, em conversa sossegada sem olhar o Tempo. Tinha-o, todo meu…
Quando mergulho d’alma neste Mundo bizarro, sem caminhos, que me fala, só o Tempo é meu, o mais de mim foge-me e leva-me com o olhar…
Detive-me num muro que se erguia alto-céu e percebi-me anão-formiga, num labirinto que se passeava no meu caminho a fingir-se destino.
Pintei-o todo de castalheiro-velho-a-brilhar-Outonos e subi-o…

29 outubro 2004

no país onde há folhas que insistem em ser verdes, mesmo no outono

Sento-me no olhar.
À espera de um nada.
Transformo os sons que me envolvem o dia, em cores com odores de canela.
Pinto o vento e a chuva.
Parado no tempo, sem espaço, num ponto do Universo.
Hoje sou sombra-de-colibri, personagem de uma história de fantasia, num mundo onde a luz e as cores nos falam a sorrir, escondido debaixo de uma folha que insiste em ser verde, maravilhado com o sentir.

28 outubro 2004

borboleta

Trago-te esvoaçada,
irrequieta,
a voar em mim.
Borboleta-leque, alada,
em traços branco-rubro-jasmim.
Círculos que se dançam e me tocam em cores de giz,
cantas em vento, um segredo
que me diz,
“sou borboleta-flor, vem, não tenhas medo,
estou aqui”…

27 outubro 2004

cores silvestres

Agarrei em três cores do campo, silvestres, e espalhei-as no olhar, violeta-amora, azul-papiro e amarelo-sol, desenhei um circo, sem vermelhos, sem palhaços, sem sombras. Era a equilibrista que me fascinava o desenho e que se movimentava sozinha nas cores. Estendia-me as mãos, em abraço colorido a assobiar sussurros em ventos leves “vem, vem”…
Não fui, mas pintei…

26 outubro 2004

boneca de porcelana

Descido em terras outras, de sentidos vários, únicos, desenho sonho de amêndoas doces.
Pinto, leve, na alma, os olhos. Dela. Flor de lótus.
No ar, ao vento, na brisa, os cabelos. Negros de china com tintas e pincel de olhares.
Boneca de porcelana em dança com o Universo, no chão, na terra, no tapete-verde-bambu, longínqua, em mim.
Dança de branco, de negro, linda, distante, desenhando na alma movimentos de brisa, de bambu, verde-oriente, sozinha, com corpo de setim.
Desenho-te, os olhos-de-amendoas-doces em movimentos de vida, que me saltam do papel-arroz e voam...

25 outubro 2004

Fusões em tons verdes-de-serenidade-quase-pura

Abraçaram-me as árvores.
Todas,
em silêncios-de-jardim.
Contaram-me histórias de ventos com sombras verdes,
numa chuva de sons, só para mim.
Quase árvore,
quase vento,
desapareci,
em TI

21 outubro 2004

caçador

levei os passos por aí, sem procura. livre. de mim.
escondido. caçador de intrusos, coberto por um canavial entre os verdes e o húmido dos cinzentos, uns olhos. sujos. de lama. camuflados. de um menino. Cigano. a Ver por onde iam os meus passos. livres. sujos. de lama. camuflados. de mim.

20 outubro 2004

reflexos de uma reflexão sem sentido…

Os sonhos têm uma sonoridade muito própria que nos confunde o ir.
Há um encantamento do que somos, numa fantasia permitida que nos constrói o instante com a realidade que nos vive no EU.
Continuo o a gravar os passos com pegadas vagabundas, num deserto com perfumes de mar-de-madrugadas e no entanto aqui estou,
difuso,
confuso,
nos números, enfeitado de autómato, fazedor de muros, de ruas, de cidade, de sonhos outros, de outros e meus.
Continuo, louco (digo-me em consciência, em repetidos alertas, não vá alguém não ouvir-me), pois não Me sou senão no sonho e na cor.
Os sonhos (os meus, que não tenho fantasia cientifica para outros. Assim não fosse e seria um louco, esquizofrénico) são uma espécie de passos corroídos que só alcançam o sentir com as asas. Talvez por isso me sinta gaivota, Vagabunda, porque não sabe o Norte.
Hoje sentei-me em cima do sonho para o não deixar fugir. Prendi-o no desenho, numa delicada Rosa-dos-Ventos, cheia de coloridos, direcções e sentidos, mas o malandro voltou a escapulir-se pelos olhos num voar de arrepiar a emoção.
Um dia destes ainda o agarro…

19 outubro 2004

um dia alfaiate com olhos de mostrengo

O dia parou de repente (naquela precisa hora, naquele instante em que nos distraímos do existir) e debruçou-se, inteiro diante mim. Tinha olhos gigantes, cheio de “interrogares”.
Fingi-me formiga-caracol, em silêncios de respirar…
Mas era teimoso este dia.
Agarrou-me, louco, zangado, autoritário,determinado e vestiu-me com todas as cores do Eu que tinha escolhido para mim .
Com o mesmo repente, desamarrou-me no tempo.
Fui, sem perguntas, pelas ruas que ele pintou para mim, recheado de "decidires"

18 outubro 2004

porto de abrigo

Hoje estou sem horizontes, sem azuis nem mar.
Caiu em mim uma tempestade inquieta, cheia de ventos e folhas a voar. Sinto o frio de um vazio que me envolveu a alma. O desenho parou. A bailarina chorou sem movimento. O marinheiro-gaivota-saltimbanco-vagabundo, olhou os negros-cinza, em sentires de recuar e virou-se para o céu em conversas íntimas, cheias de acreditares.
Hoje perdi o mar e os azuis.
Sou todo navegar, sem destino, abraçado na tempestade, à procura de um porto de abrigo…

17 outubro 2004

só no sonho o tempo pára...

O céu parou junto à minha janela.
Imóvel.
Quando o céu pára de frente ao nosso olhar deve querer dizer-nos alguma coisa.
Por isso parei a ouvi-lo.
Esperei um sinal, uma cor a transformar-se, a viver-se no movimento de um sopro...
Imóveis,
estáticos,
eu e o céu,
a respirar-nos.
Só se ouvia o tempo, a sorrir-nos, em eco, “eu só paro no sonho”.
Foi então que percebi que o céu não parou na minha janela para eu lhe ouvir os silêncios, nem para me oferecer as cores.
Parou simplesmente porque resolveu pôr-se a sonhar…

15 outubro 2004

quando as palavras se cansam e não sabem dizer, cumplicidade...

Queria escrever-te, mas as palavras fogem-me, como se me dissessem, “Agora não! Espera que venham outras de nós, com outros sentires, Espera. Não te precipites. Nós hoje já estamos muito cansadas…”
Queria contar-te todas as histórias que me fizeram o dia. Queria dar-te o meu dia, para me veres inteiro e entenderes o porquê do meu vazio…
Talvez elas tenham razão, talvez as tenha usado em demasia. São muito vaidosas as minhas palavras, pintam-se todos os dias. Sabias?

Vou esperar…
Não!
Esperar não!
Vou visitar-te!

Assim, ao veres-me, saberás todos os passos que me levaram o dia, porque as palavras de todas as histórias que te tenho para contar, estão todas no meu olhar…

14 outubro 2004

tatuagem de olhares, gravada no sentir

Hoje sou tatuagem do olhar, cada linha de luz é cor, agulha sem dor que se dança na aragem, em formas de mãos que se dançam em sorrisos violeta-sépia. Dançam sozinhas, sem dançarina que se escondeu na cor.

(escondeu-se de propósito, em passos rápidos, "flamencos", só para a não esquecer )

13 outubro 2004

outra vez os azuis, mas desta vez, fora de prazo…

Os azuis têm esta tendência de se colarem ás (minhas) palavras, numa espécie de tentativa de fuga ao Outono, contrariando, em desafio, o meu (Outono), que tem castanhos de se perderem no olhar.
Derramam-se nas palavras, como se fossem um tinteiro endiabrado...(Até o meu “diabo” se veste de azuis. Devo estar com uma doença qualquer no olhar, ou no sonho que me invade de azuis…)


Tinha um quadro só de azuis com um barco na parede-muro-creme que me enfeita o quarto.
Abri a janela e voou (o barco, não o quadro, que ficou, a rir-se, em gozo de palhaço, em sussurros cínicos).
Fiquei a olhá-lo( o barco, não o quadro, repito, ainda incrédulo) em angústia, triste, desiludido.
Tínhamos prometido que nenhum de nós partiria sem o outro.
Certamente os azuis estavam estragados, porque os meus azuis só voam comigo todo lá dentro…

12 outubro 2004

um beijo

Um beijo, um simples beijo é uma ponte que une margens de um rio de vida. Ponte que une corpos que se dissolvem, se prendem em voo de pássaro. O beijo é uma rua, sem mapa, sem sentido, é uma porta, um abraço.
Não me peças para esquecer, porque já não sou eu, sou o olhar que voa,
na cidade,
na rua,
no corpo que é teu…

tu eras...

Tu eras espelho que me reflectia a dor,
gota
a
gota,
sem cor…

Tu eras a imagem que não me via
e
tempo
no
tempo,
derretia…

Eras chuva de pedra,
negra
usada,
vazia…
Agora,
és,
sopro de vento,
parado,
ausente,
lento…

11 outubro 2004

palavras sugadas...

Quando os dias nos invadem e nos sugam o tempo, resta-nos vasculhar a imaginação numa espécie de malabarismo bi-existencial, para escrever uma ou outra palavra que nos salve o dia. Não tive outra alternativa se não retirar o escrito do já dito noutros espaços. Palavras que fui deixando no nocturnidade escritas por impulso e em dialogo. Reacções de palavras, a palavras. Sentires do lido, escrito por alguém que se esconde no escuro e o transforma em grito-poema. Ressurgem agora isoladas, desgarradas desse espaço. Incompletas, mas aqui ficam com um agradecimento à Cláudia que as inspirou:

Não me perco nas grutas, porque as sei cavernas, escuras de luz,
sem alma.
Não me perco,
não me encontro,
não me procuro.
Sou cenário sem sombra.
Como nuvem,
como chuva,
voo,
em queda,
não agarro,
não prendo.
Caio,
só,
sem me levar…
Mergulho na vida,
e
arrasto-a,
comigo…
Todos calam,
ouvem-me os gritos,
silenciam-se no negro,
aflitos.
Fingem que não vêem,
mas sinto-os.
Pegam-me,
devoram-me,
estilhaçam-me,
sem asas,
no lixo.

Burros,
imbecis!

Ah se soubessem as cores que o lixo tem!

Sem odores,
pinto-os,
prostitutos,
podres,
sangue-cor,
ocres…

Rio-me, palhaço,
Em azuis-jasmim-aço.

Caio,
mergulho,
em abismo,
mas sei-Me,
sou-Me
sozinho,

contigo…

10 outubro 2004

gavetas esquecidas

Não sei se é influência da Inconformada ou não, mas hoje ao som de uma chuva que canta sem piano, mas que encanta em voz de embalar, fui às minhas gavetas, onde guardo pequenas colecções de outros pequenos nadas. Debaixo do forro escondiam-se algumas folhas manuscritas de mim, de anos outros, sem ordem mas datadas. Diz quem escreveu serem sentires de 1985 a 1997. Poucos, não mais que meia dúzia porque os que se escreviam com ordem, desapareceram, mas isso é história que não quero recordar. Peguei num que datava de Setembro de 85, mas que me levou algures para os anos sessenta. Li, o que se escreveu, assim:

Quando era pequeno tinha um urso de peluche. Era criança. Todas as crianças têm um peluche. Era o meu refúgio. Era a ele que confessava os meus medos, as minhas angústias, as minhas lágrimas. Quando os olhos se riam, ele ficava por ali caído, junto à cama, sempre disponível para me dar conforto nas noites escuras de pesadelo.
Hoje é apenas uma recordação. Consumi-o até já não ter olhos, braços ou pernas. Quando a palha do seu corpo lhe trespassou a pele passou a incomodar-me. Deitei-o no lixo, assim sem mais, sem despedida nem nada. Estava longe de imaginar que um dia me sentiria urso de peluche. Como se deve ter sentido triste o meu urso…

Que raio de jeito, tenho eu, que não há meio de me entender com o Mundo.
Queria poder fechar os olhos, inventar-me, viver com um sorriso na alma e afastar de vez esta constante tristeza de me sentir só.
Lembro-me de um dia com seis anos chamar o meu pai ao quarto, fechar a porta e pedir-lhe para se sentar na minha cama. Tinha uma coisa muito importante para lhe dizer. Senti-me muito importante e muito senhor da minha verdade. Solenemente disse-lhe: “ Pai! Hoje morri,….e amanhã também!!” O silêncio que se seguiu , ainda hoje o sinto. Estava à espera de um abraço, um conforto, um beijo. Ouvi “ Tenho muita pena, meu filho”. Ali fiquei, sozinho com a minha verdade. Nesse dia apertei o meu urso com muita força.
Já não tenho urso para abraçar e por aqui ando escondido nos meus caminhos, a tropeçar nas minhas pedras de olhos bem abertos, como quem se perdeu e não sabe que direcção tomar…

09 outubro 2004

se

o "se" é uma palavra amarga.
Dita ou sentida, implica aceitar que o sonho morreu, ou ficou a olhar as nossas costas...
O "se", é uma palavra perdida, que nos procura enganar...

07 outubro 2004

a revolta da cores

Bateram à porta, que entreabriram, sem esperar resposta. Envergonhadas, de olhos baixos, um conjunto de cores invadiram-me o espaço.
Podemos? Questionaram depois de me verem os olhos a perguntarem em silêncio de espanto, o que faziam todas aquelas cores no meu quarto, no meio do livro que se partilhava comigo. Que foi que aconteceu? Pergunto, agora de voz, meio sumida, não fosse assustá-las.
Vimos pedir a tua atenção!
A minha atenção? Como?
Queremos justiça, queremos ser tratadas todas da mesma maneira, afinal somos todas cores…
Não estou a entender, podem explicar-se melhor?
Não estamos a pedir que nos uses a todas, não é isso, o que queremos é ser todas importantes para ti…
Mas são todas importantes. É verdade que as uso com intensidades diferentes, mas sabem melhor do que eu que as cores que uso tem um pouco de cada uma de vós…
Mas quando nos dizes, nas palavras, não nos tratas de igual para igual…
Como não? Exclamo, em perfeito estado de admiração e de indignação!
Quando falas da Rosa dizes Cor-de-rosa, mas se dizes verde, não escreves Cor-de-verde, nem Cor-de-azul. Queremos ser todas Cor-de-Ti…
Fiquei quase mudo, quase estático, impressionado pelas cores, eu que nunca fui impressionista…
Prometes? Promete, promete, somos tão tuas amigas…
Prometo, com uma condição.
Qual? Qual?
Que não se zanguem com a rosa…

06 outubro 2004

búzio

Oiço um bailado veloz que se transforma em sentimento e derrama em palavras.
Passeia-se entre o ver e o sentir.
Provocante.
Chama-me em desafio, em aventura, no desconhecido,
a sós.
Sinto,
o bailado em sons de flauta e vejo-te,
bailarina,
linda,
rosa-transparente,
a olhar futuro,
em frente.
Quem és tu que se imagina dentro de mim e dança em palavras, como desenho que se pinta sozinho?
Ora és flor, ora és mulher, ora és imagem difusa que voa gaivota com perfumes de mar.
És som do búzio,
(que me ofereceram em palavras e se transformou), real,
grande,
branco-coral,
em som de encantar…
Oiço poema que se canta,
sem voz nem rosto e esvoaça, no meu sonho, no meu olhar.
É uma fada, sem magia,
pintada de fantasia, que diz, baixinho,
não sonhes,
criança…

Resisto,
vejo-a,
dança sem parar,
ora branca,
ora rosa a voar e a cantar.
Mergulho no búzio (que me deram para brincar) e oiço sozinho o mar,
a voar,

não desisto...

05 outubro 2004

o meu vermelho

Gosto de papoilas do campo, não é novidade. Ninguém fica indiferente à intensidade da sua cor e à sua fragilidade. É a imagem materializada da sensibilidade. Hoje , neste Outono de cores várias, húmidas, acordei com a imagem de uma seara Horizonte-trigo, de amarelos torrados, matizados pelo vento. O céu azul-naif, intenso. Perto do horizonte, um único e solitário vermelho seda, cheio de autoridade a captar todo o olhar do universo. Era a minha papoila…

oportunidade(s)

O desentendimento, é apenas um olhar visto de um ponto que julgavamos não existir. É por isso, uma oportunidade para a descoberta.
Vou estar atento aos meus desentendimentos e dar-lhes cor...

04 outubro 2004

03 outubro 2004

sermão de um pai, triste...

Pai, porque estás tão zangado comigo, se sempre que precisaste estive contigo? Porque não me olhas?
Não estou zangado, filho. Não te olho porque estou triste.
Triste? Porquê?
É verdade que estiveste presente, sempre que precisei de ti ou de alguém...
Estou triste porque nunca me deixaste estar presente, quando tu precisaste de mim e o amor, filho, para ser pleno, partilha-se…

02 outubro 2004

um quadro, o meu, de hoje...

Com as cinzas do dia, pintei um quadro. Uma enorme tela com traços a carvão. Uma tela cheia de sombras entre o negro e o cinza-prata. Imaginem um rio de manhã fria com o vale coberto de bruma e céu pesado, agora acrescentem chuva, daquela que se avista ao longe e que parece pinceladas de Van-Gogh, mas sem cor. Depois entretive-me a polvilhar o quadro com números, desenhados, muitos, variados, tombados, deitados, minúsculos, quase brancos, negros profundos, deformados. Sempre cinza-bruma, da cor do meu nevoeiro. Salientei uma ou outra sombra, um ou outro relevo. Pontos de fuga muitos. Escondidos pelos números. Do lado esquerdo em pormenor, esbocei em desenho quase técnico um sistema de roldanas denteadas, mecânicas. Humanas. Afastei-me do quadro. Senti-lhe o cheiro de floresta queimada. Quase ouvi o choro de um crispar em silêncios dos cinzentos, das cinzas. Ente o “UM”, quase negro, quase deitado, e o “SETE” que se debruçava em “S” por cima de um TRÊS, agarrei num verde-verde e desenhei um folha a desabrochar do cinza. Sorri. Não era o verde que era belo no meio das sombras, era a VIDA que atropelava a morte e o Homem…

01 outubro 2004

hoje

Hoje não escrevo.
Doem-me as palavras.
As minhas,
também...
choro sózinho,
sem elas,
no vazio.
além..

30 setembro 2004

ah...

Tenho em mim uma dor...
não se extingue,
não se vê.
Tentáculo de um nada
que se passeia túmulo que se finge...
Desenho inacabado,
esfinge,
cume de areia,
pedra
que serpenteia,
em terra podre,
feia.
Torre de castelo,
ameia.
Ah se eu fosse eu,
sem esta névoa,
sem esta teia,
era flor
que se passeia,
levado por colibris,
em abraço,
que navega,
barco,
no arco-íris

Ah se eu fosse,
simplesmente eu…

29 setembro 2004

hoje foram as palavras que se escreveram…

Não gosto de cores puras.
Ferem-me a harmonia. A minha, que a dos outros não sei, “cada um tem a sua e cada uma é bela para cada um” (as palavras que deixem de brincar comigo e de se escreverem sozinhas, por favor. Não me tem respeito algum! Quando quero desenhar um pensamento tomam-me o pulso e saltam-me do olhar sem me pedir licença. Não é justo).
Quando uma (cor) me risca o olhar, imagino-lhe matizes, misturas, transparências, transições, chego a fantasiar-lhes movimentos e sons, leves, híbridos, difusos.
As cores, as musicas, os movimentos, as formas (os plurais são evitáveis, é verdade, mas eu tenho tantos de cada um, no olhar…) dizem-me sentimento.
Provocam-me sentires vários.
Autênticos.
(gostava de sublinhar, “Puros”, mas depois ia repetir em demasia o conceito e a ideia que quero transmitir, para obrigar o leitor a reler e a repensar o escrito, por isso não o digo. Penso-o, só, Puros!).
Os sentimentos são pessoas.
Uma e todas, individualmente.
Cada uma é um universo de sentimentos…
Gosto de pessoas de olhares puros!
Sou incoerentemente esquisito! ( a culpa é das palavras que me desassossegam e correm à minha frente, parecem crianças no recreio, cheias de coloridos pintados de risos)

28 setembro 2004

violino-barco

Oiço um violino-que-me-chora, a sorrir. Funde-se suave no que me voa e canta palavras-som que se vivem sozinhas. Liberta palavras-cor que me levam o Tempo. O meu. Só. É violino-onda, que me navega na alma. Oiço um violino que me acalma. Prece de mãe que embala, filho que vê partir. É violino-barco que me chora, que me leva, sem mentir...

27 setembro 2004

as minhas sombras

Estremeço com o olhar que me perde,

ando à deriva, em mim,
mineiro sem luz,
sem sombra, nem negros,
corro em caminhos sem fim,
traços esguios, em cruz,
gigantes, cedros,
aqui,
muros,
ali,
escuros…

a minha escuridão pinta-se verde,
sozinha,
em mim…

23 setembro 2004

a cidade grande

É engraçado o instinto de me metamorfosear em ausência quando me passeio na Cidade Grande. Mimetiso-me, não sei se em multidão se em espaço ou em ambos.
Ando-me, sem nome, sem passado, ente as cores que sonorizam o formigueiro do existir.
Deixo-me ir sem sentido, só olhar.
Vou, translúcido de mim, como uma gaivota no Rio.
Nem o Rio é Mar, nem a gaivota é pomba, nem eu me transporto lúcido.
Sou sempre assim quando me fundo na Cidade Grande, cheia de mar, de rio, de gaivotas e pombas, coberta de luz.
Quando me regresso, venho cheio de olhares…

22 setembro 2004

destino(s)

O destino tem esta coisa espantosa de se criar no caos, instante atrás de instante, onde cada um de nós depende da intersecção dele próprio e de todo o universo...

21 setembro 2004

uma palavra, cheia de cor e de recados

Caiu-me uma palavra aos trambolhões no caderno em que me escrevia. Sentia-se “ AZUL”, com todas as letras que a palavra AZUL dizia.
Olhei-a. Não sabia o que fazer com ela.
Zanguei-me e insultei-a. “ Atrevida! Insolente!”, disse-lhe, quase excessivo.
As palavras não têm o direito de nos invadirem o olhar, assim sem mais…
Tornam-se provocadoras, cheias de inquietude…
Agarrei nela, abri a janela e joguei-a para fora…
Fugiu para longe a gargalhar-se até ao horizonte…
Fiquei-a olhá-la, até à noite…

20 setembro 2004

cabra-cega, a tinta da china

Caem-me gotas de sombras, em cinzas esbatidas pelo vento. O desenho esconde-se, não vá perder o sentir. Espreita, curioso, o Eu que me brinca, que se joga em tropelias do VER.
Há desenhos assim, cheios de mistérios que deambulam em cabra-cega, nos labirintos do aqui.

19 setembro 2004

dor

Os silêncios gritam-me, soluçam as lágrimas que se perdem na memória. Não há música, nem cor, há um dia sem caminho, sem percurso, vazio. A memória foge, redesenha-se dentro de uma caixa, sem nome, sem mistério. Dorme. Não há dor maior do que aquela que se solta num grito sem som nem lágrima. É a dor do não existir…

17 setembro 2004

educação

Tive uma professoara que nos chamava todos pelos nomes. É normal. Julgo. Mas esta, contava toda a nossa história aos amigos...
Levava-nos, todos, na sua sua vida...
Era a minha professora...

uma questão de peso

Quando intersecto com o olhar uma pessoa, uma árvore, uma flor, um rio, um monte ou coisa outra, sinto todo o peso da sua história...

15 setembro 2004

equilibrios (des)encontrados

Desequilibro-me no teu retrato, que retraço a lápis em movimentos luz.
Sou vagabundo que caminha nas linhas do corpo.
O teu!
Desalinho os contornos, geometrizo-os, como quem esconde a alma.
A tua!
Olho-te!
És sempre, TU!

14 setembro 2004

deambulações de uma bailarina

Há uma bailarina linda, que esvoaça em dança sem parar. É musica que enfeitiça o desenho do artista, que pinta e repinta a bailarina a dançar...
É dançarina, sem lágrima, quem chora é o trompete, o violino que tocam som fino, quase hino, à dançarina menina que dança sem parar.
Os olhos que brilham, que saltitam, maravilham e ensinam, o pintor a cantar...

13 setembro 2004

viagens

Há um barco que me leva,
sem vento…
Rema,
Navega, entre neblinas coloridas de aguarela,
vou, em voo lento,
à janela.
Permaneço,
em movimento,
de luz-vela
sem tormento…

Continuidades...

"há um barco que me leva ao assassino das horas,navega, rente à noite e o silêncio chega para me manter acordada. "
Cláudia Ferreira

10 setembro 2004

lágrima-memória

Há um choro que me canta e embala no longe.
Sem tempo, no tempo.
Ergue-se gigante em luz-deserto, sem vento, sem dunas a um canto que me recorda.
Ecoa em oração de monge, que abala e acorda.
Oiço-a no fundo, ao fundo num quase azul suspenso que escorre em lamúria.
Som de mim sem fim.
Labirinto-muro, em fúria, de onda, de espuma que esfuma, branca, jasmim.
Há uma lágrima na memória que me sorri em abandono, esquecida que encanta e me chama e me sopra.
Não me diz, é memória sem história, por isso canta, por isso ri.
O desenho que se espalha, cor de palha, é palhaço.
Roto, cor de aço-vermelho-baço.
Ri, de mim a brincar com as palavras, triste por ti, que não me olhas, não me vês porque parti!

09 setembro 2004

percepções

Há um farol à beira da minha noite que me assinala a presença do Mundo.
Aguarda-me em silêncio de sombra e segreda-me os invisíveis que me rodeiam sem cores. Sem ele não sentia os passos, sem ele era só eu.


08 setembro 2004

folha de papel

Tenho uma única folha branca, estaticamente branca que me desafia, porque única, porque ultima.
Interrogo-me intimidado pelo poder ilimitado que detenho, sobre esta folha que quase me cega de luz.
Pode ser universo, mundo fantástico, desenho qualquer, sorriso ou lágrima. Pode ser quadro, abraço, avião, pássaro, nuvem ou mar. Pode nascer palhaço, criança, sorriso ou estilhaço. Não me decido.
Tenho um lápis lilás, uma paleta de cores fortes e uns olhos atrevidos, ávidos de impaciência à espera que o papel se transforme em vida.
Olho o vazio à procura de um sinal, de uma palavra que o movimente, que o torne imprescindível ao olhar que o devora.
O horizonte esconde-se. Não me segreda, não me sussurra, nenhuma palavra mágica, nenhuma cor , nenhuma fantasia. Esqueço o horizonte, afago a folha e pergunto-lhe: O que queres que te faça? De que emoção te queres vestir? Quero que me deixes tal qual, carrego comigo toda a emoção do teu vazio…

07 setembro 2004

recordações

Papá, uma rosa, cheira a rosa, uma tulipa, cheira a uma tulipa, um malmequer a um malmequer. Reconheço cada flor, pelo seu perfume.
Estás sempre a dizer que uma mulher é uma flor, mas eu não sei a que cheira uma mulher! Cheiram sempre a perfumes diferentes, com nomes que não sei dizer...

06 setembro 2004

cor de árvore

Em menino pintei uma árvore ENORME, do tamanho do papel que me calhou em sorte, com lápis de cera vermelho-sangue.
Um lápis inteiro, do tamanho da árvore que me cabia no olhar.
A professora perguntou-me o que era, fiquei muito corado e disse: É uma árvore cheia de vergonha..."
Hoje quando me avermelho, sinto-me árvore, do tamanho de um lápis de cera...
(É o que dá em brincar em menino com lápis de cera cor de vermelho-sangue)

quando o horizonte nos envolve

Parado, olho o vento que me foge e que me convida.
Sinto-o.
Empurra-me.
Fico.
Fixo.
Em mim, no EU.
Fundo-me ao fundo, no horizonte.
Em mim.

05 setembro 2004

transparências

Abraço-me no silêncio.
Sem procura. Deixo que ele me envolva.
Sem fuga.
Corre-me no sangue até à alma. Funde-se e transforma-me em ausência.
É o silêncio de mim.
Revisito-me. Olho em descoberta, confundo-me com o só. Mas permaneço e desenho-me. Traço uma única linha.
Em cor de movimento…
Em silêncio, quase só, oiço as sonoridades da pergunta que dança, que me dança em sons de melodia. Flauta de Pan. Rouca.
Em cor de vento…
Abraço-me em alegria serena, pausada, que me pinta, amarelo-gira-sol-em-fim-de-tarde. Pinceladas grossas, baças, rápidas, determinadas.
Já não estou quase só, corro-me nas veias, na vida.
Em cores do existir…

02 setembro 2004

colo

As palavras que hoje gravo, não são minhas, foram contadas em jeito de história.
É história que se transmite.
É história de gerações.
Meu é só o sentir que elas provocam, em cada passo que dou no meu caminho, vá ele por onde for...
Agarrei nelas e devolvo-as ao vento, para se viverem...

"Mãe, mãe, tu mentiste-me!
Porque o dizes, meu filho?
Disseste-me que Deus estava em todo o lado e não é verdade, Mãe! Hoje andei pela praia e só vi as minhas pegadas na areia...
Andas muito distraído, filhote. As pegadas que viste na areia, eram as Dele, que te levava ao colo..."

01 setembro 2004

distrações

Visitei o ( meu) rio.
Estava parado, com uma pele verde, opaca de luz.
Pensei serem os verdes das árvores reflectidos, petrificados, estáticos por tanto se olharem nas águas do rio. Não gostei do sentir a que o pensar me levava, porque árvore é arvore, não narciso.
Olhei fixo aqueles verdes, cheio de interrogação no ver.
Porque me paraste? Perguntou-me o rio
Eu?
Sim tu!
Mas eu não te parei, tu corres, bem sabes que corres para o mar. Oiço-te. Por debaixo dessa tua pele verde, opaca, corres…
Ouves, mas não me vês. Deixaste de me olhar quando me roubaste o verde e o levaste contigo. Levaste-o todo, só para ti e desinteressaste-te de mim. Quero maravilhar-te com outros verdes.
Não! Eu gosto dos teus verdes, os teus verdes são os das tuas árvores, das tuas águas, da tua luz! É dos teus verdes que eu gosto!

Se gostas tanto dos meus verdes, porque deixaste de te maravilhar comigo?
Porque dizes isso?

Porque passas por mim, já com todos os verdes no teu olhar e não deste conta da minha tristeza, por sentir que sou apenas a tua paisagem…

31 agosto 2004

guitarradas

Quando as palavras escurecem, não há nem sorrisos nem abraços.
Há um silêncio sem caminho que toca sozinho acordes torpes de guitarra.

Oiçam!

É a alma que pára?
Que Chora?

São os passos!

Que tropeçam,
gritam, e vibram corda,
sem tempo, o Eu que ora…

30 agosto 2004

chuvas...

Caem,
sem som,
sem voz,
gotas…
Pedaços de mim,
uma a uma,
em silêncios,
gota a gota,
letra a letra,
cor a cor…
Pingam
uma a uma.
Labirintam,
sem fim…

29 agosto 2004

ir...

Abriu-se porta na alma,
no corpo
e derramei-me entre a calçada,
branca,
negra,
calma.
Carcaça espantada,
ressequida de nada.
Hoje não me ando,
não caminho,
no fio,
não olho,
vazio.
Sou noite escura,
maré viva, sem praia.
Sou sal,
cor,
rio,
mar,
sangue,
cera,
estanque,
grito de dor.
Arame,
garrote de morte,
sem fé,
sem norte.
Fechem a porta,
abram as janelas.
Quero luz,
forte,
vento e velas
e ir,
em sorte…

28 agosto 2004

ainda as cores

As cores mesmo que criadas ou inventadas por nós, não são como os filhos, são como as pessoas. Gostamos mais de umas que outras. As que gostamos muito, quase não lhe tocamos, ficam no olhar e deixamos que elas sejam tal qual, porque nos encantam e nos maravilham o sentir. As que gostamos menos, lançamos-lhe um olhar e sem querer, ou querendo, mas sem o sabermos, começamos a interferir, um pouco de amarelo, um toque de azul, um pingo de verde, dois de vermelho, até gostarmos, até ficar a nossa cor que gostamos muito. As que não gostamos, damos-lhe forma, desenhamo-las e usamos todas as cores de que gostamos para nos sentirmos em comunhão com o reflexo, da forma e da cor. As outras, não existem, não nos cabem no sentir e na intimidade. São de outros, têm outra multidão a gostar delas, muito ou pouco, tanto faz…
Eu sou íntimo de poucas, sou um pintor de poucas cores, gosto muito de desenhar…

27 agosto 2004

tempestade

Fui ao mercado, tinha acabado as minhas cores, mas deve ter havido uma tempestade gigantesca, não havia cores frescas.
Não tive outro remédio se não pôr-me a inventar…

26 agosto 2004

de amores...

Hoje enamorei-me! Perdi-me de amores, não por uma mulher, flor, som, cor, ou tantas outras coisas que me rouba o sentir, mas por uma palavra.
Intrometeu-se entre mim e o ver e desinquietou-me a alma.
Trespassou-me em desprezo de mim e enroscou-se divertida no EU, até implodir em forma, som, imagem e sentir.
Deu-se por nome: Infinitude, de pai infinito e mãe, quietude.
Conseguem descrever o sentir quando esta palavra implode dentro do nosso olhar? Conseguem despegar-se dela?
Conseguem atingir com o ver, a profundidade da serenidade que o saborear da Infinitude nos oferece?
Não se encontra por aí, a palavra, eu sei, procurei-a em todos os livros que já li, devorei o arquivo das palavras e à medida que fui procurando, fui crescendo perdido na emoção do sentir.
Tem um problema, nada é perfeito, nem as palavras, não permanece…
Talvez ande por aí a saltar de alma em alma...
Tenho pena que não tenha tempo de me revisitar, queria tanto senti-la outra vez…

25 agosto 2004

o fato, de um dia sem ventura

O dia acordou-me branco, alado, cor de lençol.
Dei passos curtos, medrosos, hesitantes.
Estava sem palavras.
Dormiam.
Ninguém anda a passear na existência sem palavras, as suas.
As minhas ficaram Todas a desenhar brincadeiras, incolores, desassossegadas no sonho, revoltadas. Na almofada.
Penso na imagem de um homem que se passeia sem ventura, sem palavras. Não consigo imagem, porque a digo antes de ver e estou sem palavras, as minhas…
Será?
Finjo?
Fragmento-me?
Cala-te!
Acorda-as e veste-te nelas!

24 agosto 2004

coisas de cágados e de mim...

Gosto de cágados!
Não lhe sei razão, mas sempre que os olho, contam-me histórias, os sapos também.
Sou esquisito, eu sei, mas não consigo evitar.
Um cágado, mais que um sapo, tem presença de filosofo.
Os filósofos contam histórias, os cágados também, mas mais profundas, porque têm todo o peso da eternidade.
Os cágados tem o desenho da eternidade. Parecem milenários, mesmo quando saem dos ovos.
Por vezes, ás escondidas de mim, ponho-me a andar lento como os cágados e não me saio nada mal, até conto histórias, só não sei quem escuta e se as ouvem como eu oiço, as histórias que eles me contam.

23 agosto 2004

distracção

Sonhei que era pedaço de tinta, gota escorrida do pincel de artista. Não lhe sei nome, nem obra, nem a cor em que me vi pingo, porque me esborrachei inteiro na paleta do pintor…


caminhante

Carrego ás costas uma mochila, cheia de tempo. Vou montanha acima, esquecido da chave e do peso.
Vagueio, vagabundo no espaço.
Não procuro.
SOU!

22 agosto 2004

AZUL

Agarrei nas asas e voei.
A ouvir-me,
SÓ!
Suspenso,
entre as nuvens, as árvores e o mar.
AZUL!
quase pássaro,
quase homem...


Figueira da Foz, 22 de Agosto, 2004

Caro Mário ( de Sá Carneiro)

Desculpa interromper o teu desassossego, mas quando acabei de sentir e escrever as plavras a que dei cor AZUL, vi-te!
Primeiro pensei, " ele voou de alto desta serra, sentiu estes verdes, este sol, este mar, este azul." Depressa dei pelo equívoco e percebi que afinal foste tu que andaste a voar dentro de mim...
Por este voo, o meu mais sincero obrigado,
Um abraço,
almaro

21 agosto 2004

Na linha difusa, onde nada acontece, quando o olhar se enche de vazio

Corri no horizonte, no tempo e na memória.
Fugiram-me os olhos para o desencontro, tentei pintá-lo, desenhá-lo, dar-lhe contorno, mas perdi-me no vazio de não sentir…

20 agosto 2004

diz-lhe…

Mestre, o que dizemos a um filho, que nos amachucou como se fossemos um papel e nos jogou fora ao som de palavras indizíveis?
Diz-lhe que dificilmente o papel estará no mesmo local quando voltar a procurá-lo. Diz-lhe que há ventos que sopram, que há vidas que passam, que há instantes que se perdem, só por andarmos distraídos. Diz-lhe que devemos estar atentos, quando jogamos fora um papel que contém todas as palavras que nos ensinaram a olhar…

19 agosto 2004

a forma e a cor de uma dor...

Encontrei uma lágrima, sozinha, perdida. Colhi-a e sorriu-me com todas as cores de um reflexo. Agarrei em tintas e misturei-a em forma de flor. Não lhe dei nome, só lhe sinto a cor que me cobriu a dor...

18 agosto 2004

mar (es)

O Mar não coube em si, transbordou em revolta, contra as paredes do Mundo, em carga de cavalos brancos, que explodiam em relinchos loucos, ao desenrolarem-se, ocos, sem vida…

17 agosto 2004

olhos que cantam, fechados, em piano bar

Cantas, no escuro,
de negro, para ti,
que olhos não calam,
ausentes,
que outros falam, sós,
de si,
não mentes,
cantas,
de alma,
a tua,
dedos,
em dança,
no ar,
rio,
na foz ,
com calma,
de corda,
em voz,
nua,
de setim
que canta,
sem medos,
nem frio.
Piano vivo,
vibra, encanta,
em bar, no mar,
sem lua,
a voar,

sem mim.

16 agosto 2004

olhares que se pintam

Quem olha sabe, que nada é perfeito.Tudo o que existe, reflecte sombras, reflexos, ilusões. Só o sentimento, é olhar que trespassa o corpo e chega à alma. Quem olha distorce o que só o poeta vê. O olhar que tu vês, são os teus passos, são o teu querer, o teu mundo que esvoaça, que te envolve, que te agarra e não te quer perder. Os olhos podem ser de outro que se esconde, mas o olhar, o sentir, o viver, esse é teu e pinta-se de ti.

15 agosto 2004

formas de andar...

Papá, Papá, diz-me, porque é que as pessoas, andam, a olhar para o chão?
Não sei filho, talvez estejam a pensar, mas não sei, o modo de andar de cada um, é com cada uma delas.
Eu quando penso, papá, levo os olhos todos para diante. Não me pesa o pensar…

13 agosto 2004

copiar fantasias

Quando agarro num lápis, a copiar fantasias que nascem no contorno do olhar, esqueço-me do existir, esfumo-me no desenho que se (des)linha em sentires. Quando (des)contorno, forma ou alma, não sei se sou olhar ou lápis de giz que se esvoaça em pó, de cor que só ele sabe...

12 agosto 2004

olhares

Não tenho nem novo nem velho no olhar. Tenho a novidade que o Tempo libertou ao esbarrar comigo...

11 agosto 2004

jardins

Há ilusões que alimentamos, cuidamos com ternura, transformados em Jardineiros do Existir.
Acarinho no meu imaginário que as sonoridades de um violino, são um olhar de Deus, que chora a emoção da serenidade.
Antes do nascimento do UM, deve ter existido um violino, que tocou sem parar...

10 agosto 2004

encontro surrealista

Encontrei Mestre Dali, reencarnado na paisagem de um canavial, daqueles que seguem os caminhos em sombras quase verdes e que por mais que se cortem, crescem sempre e sempre verdes. O Mestre via-se, D’ali, transformado em formigueiro de caracóis. Reconheci-o pelo bigode desenhado nos olhos dos caracóis, ao sol. Os caracóis pintavam-se em cachos brancos, em imagens gémeas, de flor de jarro, sem fim na vista, floridas no canavial (desconheço flor de cana, de canavial vulgar, de verdes comuns. Ignorância ou distracção imperdoável, mas se tiver e acredito que sim, não são flores-jarro. Tavez sejam verdes, camufladas em transparências, talvez em cor-pequena, sem direitos a reflexos do olhar, talvez flor-minhoca, escondida semente no humido da terra).
Quando souber pintar vou retratar o mestre, verde-branco, flor de jarro e gravata erecta, amarela-ovo, com mil bigodes de olhos de caracol, com um girassol no meio dos verdes a cair do céu .

09 agosto 2004

os sons de um olhar sobre uma bailarina-cisne

Espreito bailarina que esvoaça dança, branca-de-cisne-em-sombras-cor-de-rosa. Não é mulher, nem flor, nem poema, nem escultura, nem cisne, é quadro em movimento que vai directo ao coração sem passar pelo olhar.
As linhas que contornam o desenho da bailarina que saltita as cordas do violino, não tem cor nem luz, nem nada, é um sonho de alma que nos sorri num branco-multicolor

08 agosto 2004

palavras-semente

Tentar transformar sentimentos em palavras, é como plantar uma flor. Semeamos cor, em Rosa e aguardamos com o olhar e o querer, um florir rosa-vinho-d’ouro, cor que nos saltou da paixão, do amor e não da flor.

07 agosto 2004

sem cores

Andei a saltitar de palavra em palavra e não fiquei em nenhuma. Escondi-me de amarelos-luz, estendido na praia, sem mim.

06 agosto 2004

olhares que partiram



henri cartier-bresson, 1908-2004


um olhar a preto e branco, onde as linhas de contorno tomam vida própria e sentimentos vários. Quadros de vida, reflectidos no olhar-da-alma de um poeta, que pintava instantes.

05 agosto 2004

o sentido das palavras

Sonhei que acordava num local sem nome, onde as palavras só tinham um sentido. Preto, era preto, não era sombra, nem gato, nem noite, era preto. Ternura era carinho, não era senão carinho, não era paixão, não era amor, não era senão ternura, acto que se transmite com meiguice, a quem nos entra pelo olhar dentro, com ou sem licença. Acordei sobressaltado e cheio de angustia. Naquele sitio a palavra sonho não era senão pesadelo e isso não cabia num lugar que se pintava com palavras em desenho intimista…

18 pedaços do céu

Escrevo, embalado por pedaços do céu, como quem descobre pequenos tesouros e fica maravilhado, com os olhos caídos em cada um. Queremos todos, de vez só, conscientes que assim perdemos o único de cada um. Oiço cada pedaço e invento uma história individual, só minha, íntima. São dezoito, os pedaços de céu que me couberam em sorte, escolhidos longe. Vieram no vento, com ele. Pequenas nuvens brancas, cúmplices que souberam chegar a mim, sem palavras, só sons, cor e sorrisos de silêncios. Escrevo, contos de menino, só para mim, porque só eu sei a forma com que cada um dos pedaços de céu se abriu em mim.

04 agosto 2004

encontro

Trago de um encontro,
a imagem de um braço-de-menina-mão-de-asa, que flutua na brisa em mergulhos-peixe que ondulam em abraço do vento,
a palavra ternura e uma mão cheia de cumplicidades.
Em moldura, um dia azul-mar e o começo de um caminho que foge para além do olhar.

03 agosto 2004

debuxar...

Vivo nesta ilusão de sentir fisicamente um sonho, de o tocar, de o moldar, de o transformar em irreal. Mergulho na inquietude e no desassossego. Não imaginam a serenidade que me fervilha na fantasia de me confundir nas formas de reflectir o VER.

02 agosto 2004

similitudes…

Há uma grande disparidade entre a minha árvore genealógica e o Plátano que olho curvo para o céu e que se dança em sombras à minha frente. Na minha árvore todas as folhas tem nome (ou pelo menos já pairou em tempos outros, no chamamento de folha outra, com emoção ou sem ela). A que se me ergue no VER, inundada de existir, se os tem, não diz a ninguém.
Em cada uma das folhas, da minha e desta que me assombra em espanto e que se veste de verdes frescos, só há uma coisa em comum, encerram um universo infinito nas linhas que as contornam…

01 agosto 2004

sorrisos de fantasia, em jeito de passeio interior

De olhos fechados, experimento a sensação de ouvir o que não cabe em mim. Tento soltar os ruídos que se colam ao sentir, em melodia aguda e fina, mas tudo se esconde, nas grutas de uma memória que se pinta de verdades. Tudo sou eu, não há fuga. Mesmo os gritos, mesmo os quadros deitados fora, todo o lixo do sentir que guardei e vivi, colou-se-me à pele das emoções. Sou um conjunto do não querer.
Abro os olhos cheio de vontade de repintar o quadro, mas ele está ali defronte, pendurado na parede, assinado e datado.
Tento-me em roubá-lo.
Ladrão de mim!
Resisto.
Deixo-o pendurado, mesmo torto, a querer cair para um dos lados, desenquadrado, desequilibrado.
Saio.
Lá fora está um dia cheio de luz. É intensa, mas vou, sem fechar os olhos. É cor de estrela, é cor de caminho. Sabe bem o calor da cor que não nos deixa esconder o ver. É de um quente transparente que nos sorri de fantasia.

31 julho 2004

fragmentos de liberdade

Senti aromas de liberdade, ao não me ser devolvido o olhar. Foi, no seu próprio caminho, com a sua cor , sem reflexos, sem espelhos nem labirintos.
Falta agora largar este peso negro, carregado de solidão, para que A sinta inteira, dentro de mim…

30 julho 2004

árvores-brisa

 Papá, Papá, as portas de nossa casa estão vivas! Quando as abro, falam comigo baixinho, aos assobios.
Não, filho, as portas não falam contigo. Falta-lhes, óleo, por isso guincham quando se abrem…
Que pena, Papá!
Pena?
Sim, Papá. Não tenho Vida que chegue para pôr óleo em todas as árvores da minha serra. Os cedros, os pinheiros, e os eucaliptos, falam-me da mesma maneira, aos assobios, sempre que as visito…
Não filho, esse som que ouves, esse assobio, é a brisa, o vento que faz rodar as tuas árvores. São os troncos a girar, a ranger…
UF! Já podias ter dito que somos brisa, quando abrimos as portas de nossa casa!
Tenho brisa que chegue para abrir todas as portas de nossa casa…

29 julho 2004

tudo depende da intensidade da procura…

Não posso encontrar mais do que procuro. Todo o resto esconde-se no silêncio do existir...

ventos do olhar

A serra estava despenteada de verdes. Quase voava…

segredos

Andei à procura de significados para a palavra Civilizado. É uma palavra muito envergonhada. Andou a correr e a esconder-se do olhar. Insisti, agarrei-a e fitei-a, olhos nos olhos. Segredou-me de fugida:
São uns loucos!
Há um isolamento latente entre todos vós que vos impede de serem autênticos! Colectivos! Enquanto assim for, andarão sempre muito baralhados com o meu significado…

28 julho 2004

pergunta sem interrogação

A harmonia só existe em estado puro.
Livre!
Presa num pensamento, desfaz-se, estilhaça-se em fragmentos.
Lágrimas?

(des)equilibrios

Tentei-me equilibrar na linha fina e difusa que traça o amanhã.
Caí sempre no ontem.

caminhos cruzados

Cruzei-me com menino que carregava sozinho toda a responsabilidade de viver o seu sonho. Vi-o a seguir gaivota com o olhar, que se fundia em cor, entre o sol cansado e o horizonte.

27 julho 2004

história por contar.

Há dias de luz-serena que somos tentados a colher da paisagem que nos envolve o ver, personagens, que nos emocionaram e levá-las para casa, e inventar-lhes uma história. Não há ponto de encontro, nem destino, nem acaso. Acaso só o facto de termos estado no mesmo cenário, com a mesma luz, a existir o momento…

Sentado ao fim de tarde de Julho, também ele no fim, olho o mar, é costume. Há um ambiente de sons, de cores e de profundidade que me levam a olhar o nada, à procura de palavras, em mim. Saboreio pensamentos, muitos deles, nem me contam, andam por aí a fingir-se gaivotas e apenas se dignam a revelar-me sussurros espaçados em palavras que esqueço. Estava nesta calma ausência, todo sentidos virado para dentro, quando oiço alegria de risos soltos. Sem olhar, por me encontra ainda, por dentro em concha que se perde no horizonte, tento precisar se a alegria que me invade é de criança. É a curiosidade que me faz aproximar do mundo que se movimenta à minha frente. Dançam em jogo de bola dois jovens, ele e ela. Paro-me nas linhas que se saltam em bailado, da rapariga que se estica para tocar a bola que lhe esvoaça nas mãos. Movimentos lindos, desenho impossível de fixar, nem retratar, porque transmite alegria, que se reflecte em constante sorriso, de boca jovem que vive o instante, no lança que lança, de bola em dança. Não consigo retirar o ver do corpo, do olhar e dos risos que rasgam o ar que ofuscam o batuque-pandeireta de mar que se desenrola, no seu vai e vem, em recados de onda que só estando a sós se entendem, e não o estou, (tenho outras coisas no olhar). Cabelos escuros, pele de verão, pescoço esguio. Salta, dança, a bola é acessório de paisagem (desculpem a repetição, mas o movimento que a acompanha, ritmado de riso com orquestra de mar, só pode ser bailado, sensual, porque feminino, mais bonito que belo, porque harmonia. Tudo se conjuga em imagem que prende os sentidos, todos). Não consigo realçar o que me comove o sentir, se o cabelo que esvoaça preso-livre, atado em linha esbelta, em cavalo-negro de desenho cubista, se o riso, branco-feliz, se os seios cheios, também eles dançarinos, também eles voadores, junto ao corpo que salta, levantando areia ao encontro de bola, ao vento. Não gosto da palavra seios, não porque feia, mas porque lhe falta poesia, porque linguagem demasiado anatómica e leva o pensamento a consultório médico. O que o olhar me devolve para descrever tão graciosa escultura assemelha-se a gotas-vestidas-de-pele-seda-de-julho-quente, que floriam esculpidas no corpo, porque gotas têm a forma perfeita que a natureza lhe deu, porque seda cheira a flor (não sei de onde veio esta associação de sentires, mas se está escrita, é porque foi sentida), macia, na sua firmeza jovem (desenho-os, de longe, sem pensamentos outros que aqueles que a imagem me dá, porque estou maravilhado com o todo que ri sem parar, em alegria estonteante de criança grande, linda, trigueira de se ver). Pinto gazela, chamo-lhe Gabriela (talvez o nome tenha caído de leituras outras, não sei, digamos que sim, porque igualmente bela, igualmente sensual, na ingenuidade de se expor linda, a rir, furacão de riso que me embriaga o sentir). O nome não interessa, mas fica, talvez seja preciso mais tarde para dar nome a quadro, se conseguir artes e jeitos para pôr alegria em cor e desenho. Ele, bruto, desenquadrado no ver. Exibe-se. Macho de tanga. Não a vê, só a bola. Não tem graça. Lembra-me soldado, desactivado, porque acumula tecido adiposo, de quem se vai desleixando de corpo e alma, se o não é, imita o estilo. Vejo-o fardado, a insultar os passageiros do comboio de fim-de-semana, de lata de cerveja na mão, a contar as suas proezas físicas e sexuais sem respeito por quem o espera, ansiosa, na estação de saída, em saudades de afectos e de corpo. Não lhe dei nome, não vou precisar dele mais tarde, ficará fora do quadro. Não cabe lá dentro (talvez esteja a ser injusto. Ciúme? Não de todo. Apenas estraga a imagem, a poesia do momento e não entremos em fantasias, que sou adepto da serenidade e da lealdade, e tenho afectos outros.) Pergunto-me, o que é que a minha história tem a ver com o facto de estar na praia, contagiado pela beleza de mulher, que teimou em dançar entre mim e o horizonte? Não respondo, porque me sei a mania de me meter onde não sou chamado e esta história não é a minha, eu só a desenho. Não me canso de olhar, esqueço-me das horas, o tempo (des)existiu, só as gaivotas avisam o por do sol. Não tenho outro remédio, senão apanhar as duas vidas, como quem colhe duas flores, e transforma-las em personagens e levá-las comigo, para um dia, agarrar nelas e inventar-lhes uma história.



26 julho 2004

imagem desfocada

O nevoeiro, caiu, pesado, junto ao mar. Fundiu-se. Pintou tudo da sua cor.
O mar, que me fala, que me murmura em segredos, contados por onda que me abraça, em manhãs de cumplicidades, disse-me quase sem som, Sou eu todo!
Elevo-me,
denso,
desfocado.
Hoje sou nuvem-de-olhar...
Abafo os meus lamentos em lágrimas finas,
aguçadas que se evaporam,
fervidas de dor.
Sou névoa salgada.
Sou eu todo que me escondo…

25 julho 2004

mil e uma cor

Passeio na areia que se estende em horizonte pintada de castanhos-deserto. Fixei-me em ponto branco, disforme, porque longe. Estava meio, entre a linha e o olhar. Só o sei branco-neve. Dirijo-me para o ponto, interrogativo, expectante. Só vejo branco, nem oiço mar que me ladeia, fiel, companheiro. É rocha, alva, pura. Gigante de branco. Toda dignidade, no meio daquele areal que se veste de “deserto”. É fim de dia e as cores são poesia.
Que faz aquele rochedo branco, perdido na areia, imaculadamente branco?
Homem? Naaaão! Nenhum homem carrega rocha para meio de coisa alguma, quanto mais num areal quase horizonte. Nem mesmo artista!
O Mar? Impossível, mesmo forte, mesmo tormenta, não levaria para local, longe, semelhante rochedo, quanto muito ficaria, beijado de água, escorregado entre o Mar e a Terra, não ali, longe…
Sentei-me a olhar o branco que naquela tarde de fim de dia, insistia em ser só branco, mesmo no sol por, onde todos tomamos outras cores e outros sentires…
Cheio de acreditar, perguntei ingénuo.
Que fazes aí? Quem és?
Sou onda-espuma. Petrifiquei-me de amor por um cristal de quartzo de mil cores. De mil cores! Poderás tu imaginar a beleza de um quartzo de mil cores? Não lhe resisti! Transformei-me!
Levantei-me. Tive medo de olhar tão perfeito ser, não fosse perder-me também. Se o arco íris em que me vou pintando no sentir tem sete simples cores, não ouso imaginar a emoção de se olhar mil cores todas ao mesmo tempo…
Voltei devagar, a olhar os castanho-rosa de fim de dia, a ouvir o mar, a cantar-me, para me sossegar…

24 julho 2004

sombras

As sombras não são cinzentas nem negras.
São transparentes.
Vê-se sempre o que está por baixo.
Só de noite escondem tudo!
São  o cobertor da cama do Mundo!

sede

As fontes, afinal são esgotáveis.
Morrem pedra.
Matéria…
Dêem-me um copo de alma por favor…

acordar tarde em bocejo de mar

O mar acordou sem cor. A sua. Cinzento. Segredou-me que vinha mais tarde. Esperei. Fiquei a ouvi-lo

personagem

Insisto na personagem, que moldo, traço por traço, no existir, com tudo o que comporta a imagem. Falta-lhe vida. Cor não basta para ser mais que personagem, quanto muito reflexo, face, pedaço. Ando cansado para me fingir, para manter vivo o desenho em  que me pinto, por isso deixo-me invadir pelos reflexos ( os reflexos e os labirintos perseguem-me no cansaço do ver). Só no silêncio me vejo autêntico. É num mundo de ausências que me sorrio sem sombras. É na ausência que me cresço em Mim. As palavras que me fingem a personagem doem-me. Quando mergulho ou voo, ensino-me a andar. Vou aprender a desenhar a palavra ouvir, para saber espreitar a ausência sem ela me pressentir...

23 julho 2004

guitarra, que chora, baixinho...

Eras uma linha, em sons de corda, que cantava guitarra, eras menino-flor, de olhos-música.
Eras fado cantado com cordas dedilhadas de amor, eras dança, eras cousa uma em forma de abraço.
Voo sentado.
Embalado.
Sonho-guitarra-ternura.
Quadro.
Eras linha una, que cantava.
Linha-corda, acorde de alma.
Eras tu.
Carlos, Guitarra.
Cigarra de dedos loucos de medos, outros.
Olho-te desenho-mãe que pega-abraça criança, em curvas-guitarra.
Hoje choro baixinho, sem lágrima. É choro de guitarra...

desencontros em teatros de vida(s)

Em situação normal nunca teria ido por aí.
O caminho não era o dele.
Imaginara-o vezes várias, sentira-o com todo o seu olhar, mas sabia que só o viveria numa vida paralela, entre o sonho e o seu caminho. Espaço, sem tempo que existe no sentir, que chega a ter vida própria, mas que apenas cresce e floresce dentro de cada qual. Mas este era real, tocava-se para lá do olhar, tinha corpo e alma própria, não saía de dentro da lamparina de emoções que lhe habitava o ser. Era soma de si, por isso foi de olhos fechados, cheio de sentir. Foi, inconsciente, encantado, cheio de novas cores, de desenho vivo, que se transformava em palavras e em vida.
Ainda não sabe o que o levou a ir, por caminhos que não eram os dele, pois sempre controlou emoções, sempre as viveu sozinho.
Um dia, como que acordado de um sonho, encontrou-se no meio do mar, sem pontos de referência, apenas ouvia sussurros de ecos trazidos pelo vento, que lhe indicavam, sinais e sentidos. Criou forças e seguiu o seu caminho, imaginando rotas e atalhos (estranhos atalhos os que se encontram no mar que cada uma das nossas vidas contém). Quando acordou, voltou a ver as cores que lhe pintavam o existir.
Estava tudo lá, no seu cenário.
No cenário que tinham criado para se ver na vida!
Só não teve coragem de olhar par atrás.
Sabia que os seus passos, fora do caminho, tinham pisado outros olhares, que sem querer se misturaram no sonho sem perceber que as cores que o iluminavam, reflectiam cenário outro.

22 julho 2004

acaso(s)

Fiz uma DESCOBERTA!
Não necessariamente cientifica, porque  introspectiva, sem ensaios, nem teorias e de cientista nada tenho, a não ser leituras avulsas e gulosas.
Dei-lhe nome, a imitar padrão de pedra tosca, de eras e homens, outros.
LEI DO ACASO. Tem como principio que cada ser, vivo ou não, (ou de estado outro, desconhecido), interage com a menor energia disponível. O acaso, está em que cada um tem a sua, e não necessariamente a mesma, pelo que a interacção, o encontro, o entendimento, é fruto do acaso…

fumos com história para contar

Sigo, em presença, nuvem de fumo à procura de enredo para um conto, de encontros, sem personagens, porque me fogem sempre que lhes toco, mesmo que imaginadas e criadas para o momento da escrita. Quero pôr palavras no ar em formas várias, de fumo-prata, à procura de um sentir. Sinto. Intimidade, entre os dedos que me escrevem e o aroma, café-chocolate, que envolve o desenho e que me espreitou a sorrir pedaços de vida que me roubou. Converso-me, antes da escrita como quem procura o verde nas árvores de Outono, em Inverno tardio. Só me sei. Desinteresso-me das palavras. Conheço-as. Queria outras, que me acordassem, que me brilhassem e navegassem-brisa, em poema.
Sinto-me chuva-semente-de-rio, antes de escorregar ravina, à procura de caminhos que  a levem ao sal.
Queria sentir palavras que voassem em melodias murmurosas, assobiadas de SABER…


21 julho 2004

palavras que se escondem

Há equívocos que se escondem no silêncio das palavras, e o desassossego não é o melhor olhar para os ouvir. Ando ausente em luz-noite, como se a vida se tivesse cansado de me reflectir as cores e eu não tivesse forças nem imaginação para a pintar, nem que fosse só a fingir.

20 julho 2004

uma questão de cuidados e de afectos

Temos uma tendência (quem escreve, refere-se a todos aqueles que lhe habitam o eu e que se convergem no seu sentir, semelhanças, de olhos outros com o que vai ser escrito e lido serão coincidências do olhar que se somam no mesmo ver) para sentirmos que o Amor é uma flor que nos cresce dentro do peito e que lhe damos cor com a luz do nosso olhar.
Nada mais errado, o Amor está fora, é flor, sim, mas que precisa mais do que o nosso olhar, precisa de cuidados, muitos, de carinho, de alimento, para poder colorir(desculpem, florir) com o nosso dar

19 julho 2004

linhas, pontos e fugas

Sento-me em rochedo que penetra, em acto fecundo de amor, no Mar. Paro-me no olhar. Suspendo-me do existir, sentado naquela quilha navegante de pedra salgada em eternidade de comunhão com as águas de vida. Sinto-me em estado-de-alma quando me fundo em pensamentos com o horizonte, acarinhado por ventos-brisa-onda . É a minha porta para o lado de lá do olhar, é o meu ponto de fuga. (quem escreve, diz-se desenhador, quem lê acha estranho um desenhador ter um ponto de fuga que se desenha linha, quem pinta e sente, sabe que o horizonte é ponto de fuga para quem desenha a imaginação do sentir de um sonho…)


18 julho 2004

leituras

Afago livro. Páro. Hesito-olhares. Medos da vida que fervilha, que pulsa-sol em ver e que se fixam em poemas e histórias, de outros. Abro. Lento. Deslizo-me em folhas-palavras-poema. Percorro rio de Medos. Medo que as palavras saltem da história-poema e eu me perca nas palavras e não me consiga livrar delas, da história. Medo da fusão de sentires e desencontrar-me com a minha própria história, do meu poema. Medo de perder o meu sentir e passar a contá-lo com palavras que não são minhas. As palavras que se fugiram de olhos outros, puxam-me. Paro. Lento. Leio e vagueio pelo maravilhar do sentir e cresço-me, agora sem medos, com palavras outras. Novas. Minhas.

17 julho 2004

intensidades

O corpo fugiu-me, deixou-me suspenso do tempo em voo-de-alma. Voar de sentidos, presente, intensamente presente, como se o olhar visse sozinho, tudo por inteiro, sem horizontes. Intenso, este olhar que se atrevia a ver mesmo sem luz. Olhar penumbra de noites de maresia de luz-lua. Olhar-voador. Olhar-gaivota. Dolorosamente livre! Sublime...

16 julho 2004

sou

sento-me noite, na areia casada em espuma. oiço. é o universo que me fala, que me canta em encantos de poesia. sem palavras. sem sal, nem sabores. inteiro. simples. deixo-me envolver em ondas que me chamam e me ardem os sentires, em calores de noite, sem vento que me brisa o olhar. oiço e entro em universo que paira em alma. saio de mim. sou eu, fora, dentro de coisa maior. estrela? luz? não importa. estou. sou.

15 julho 2004

afectos…

Quando queremos dar um afecto, trocar um carinho, transmitir confiança, tocamos.
Damos,
um abraço,
uma mão,
ou as duas, que se tocam, quatro, (n)UM sentir.
Apertamos.
Sentimos.
Unimos.
Damos, as mãos…
Hoje, passou por mim, alguém, vestida de recordação que me deu um olhar.
Tocou-me, com o tamanho todo do Universo…

lápis vivo, atrevido que se transformou em desenho...

Desenho o teu cabelo, longo, onda-mar. O teu cabelo. Teu, que só existes no olhar e na cor que se vive no lápis que se chora sépia-sol.
Distancio-me da linha que ondula em praia mar no papel-marfim. Não tem corpo, nem alma. É corpo nuvem que me ardeu-fogo no olhar e que me fugiu, rebelde em linha-cabelo no desenho, que nasceu saudade…

14 julho 2004

gavetas

Não era costume arrumar, fechar gavetas, como quem resolve um assunto, uma tarefa. Não era de todo arrumado, nunca fora, sempre agira com o impulso do sentir. Deixava-se ir na vida, como a água de um rio. Sabia-Se e isso bastava. Mas hoje, hoje, o dia, pintara-se de estranhas cores no olhar. Hoje, era um dia anormal no seu viver, uma espécie de eclipse solar, que sendo natural, rareia e torna-se único, especial quando é.
Hoje, fechara gavetas (não necessariamente arrumadas, no que se vê dentro. Fechadas, apenas, sem chaves, não fosse o destino saltar com emoções outras e baralhasse arrumação do sentir…).Fechara-as, uma a uma, não necessariamente com ordem, só o resultado do sentir, fazia prever harmonia (adivinha-se, só por este facto que pelo menos ordem emocionalmente estética havia, se é que o sentir possa ter estética ou mesmo ordem. Quem escreve acha-o).
Sentia-se leve, quase ausente, quase sereno, sentia chão, via-o, sem olhar, sem se fixar na cor, no reflexo, e isso era poema, era horizonte, quase Mar…
Faltava, apenas, só, a sua gaveta. Era a sua gaveta que o puxava e dizia-o, implorando, interrogativa, e Eu?
Sim, sabia-o, faltava a sua gaveta, não tinha espaço para ela, não tinha hierarquia, nem ordem, era a sua gaveta, o seu caos e assim deveria permanecer. Sua, desarrumada, esquecida…

13 julho 2004

pintura-retrato em DNA

Retrato figura esbelta linear, menina. Desenho cabelos soltos, caídos em castanhos muitos. Vejo-lhe olhos e pinto-os, cor de mar. Está envolta, abraçada, em mãos, suas, curiosas. Pensa saudades. Pinto-a, disfarço-a em árvore, sem sombras, é menina. Componho imagem com poliedros, grades de hélices, simples, duplas que se combinam em letras, quatro, A-T-G-C, misturadas em fosfatos, em açucares. Letras, palavras que compõem o desenho que lhe traço, é nano-poeta, a menina. É célula-tronco, é vida. Cores, muitas, em tons de creme, que abraça, que sorri. É descoberta!

12 julho 2004

mão, deformada em apelo

Não sei se piso, se ando…
Sinto…
Não são palavras, nem olhares, é o nada, o vazio que enlouquece e me preenche o caminho.
Pesa-me o que piso…
Sinto…
Fecho os olhos, o olhar e visto-me. Deixei de andar nu.
Vou…
Sinto…
Vazio,de mar em sons de Outonos,onda-espuma que se eleva no ar…
Mar-Vulcão.
Sinto...
Pinto-me de cores visíveis em formas de Mim,
sem palavras…
Não sei o que digo, apenas quero estar aqui, vestido de sentidos…
Sinto…
Estendo a mão.
Aberta.
Esticada.
Deformada em apelo.
Foge-me.
Sinto…
Já não ando. Sento-me, penduro-me na estrela que me olha-luz, em baloiço…
Criança que se finge, que se brinca…
Só!
Sinto…
Repito sons, palavras, que moldam o vazio de mim…
Barro húmido, informe, (in)criado no ser-Me!
Sinto-me...
Só!
Onda que emerge, infinda, sem sons…
Já não grito,
piso,
piso-me caminhos...

11 julho 2004

história trauteada em assobios de trompete e piano ( sem dó menor)

Sensação estranha, bizarra por inteiro, esta de querer contar história e perder-me na imaginação das palavras, que se amotinam e recusam personagens.
Metamorfose híbrida de um contar de memórias, outras, difusas, doentes, que se transformam no próprio corpo do ilusionsta-pintor, preso em rios seus que apodrecem e definham com o tempo, em recusa de poemas-fantasia , rimados em cores esbatidas de querer.
É vida, inventada que escoa, mágica, que me corre nas veias do olhar, em sons de trompete que me "pianeia" ( para além do som das cordas, não esquecer os efeitos do preto e do branco a dançar sozinhos, quase sem dedos, porque estes transformaram-se em bailarinos) os sentidos em improvisos que me fogem das palavras que (des)escrevo, que (des)conto que (des)historio.
Simplesmente, não há história, contada em letras sem cor, apenas sons conexos, sem imaginação , nem sexos, a fingirem-se de Vida...

não uso tempos, nem agendas ou instrumentos outros que meçam pedaços do existir. é jeito meu. por isso passar de um ano para o outro é cousa...