30 junho 2004

mergulho em miragem, sem cores frias, de aço

Corro-me no espaço que esvoaça em desafio, moldo escultura que faço e desfaço sem tempo,
no espaço.
Neste rumo-viagem, sem ventos, sem velas, sem barco, entrelaço o Ver nas cores frias de aço,
que trespassa,
em angustias dos passos que me correm, que me voam, em luzes que se desfazem na sombra que me evolve em abraço.
Grito-me longe dessas cores que se fingem, que se tingem e voo sereno, mergulhado na miragem que se pinta rubra, viva e que me sente os passos, que correm livres no espaço...

29 junho 2004

sonho, quase erótico

Sinto o teu corpo,
castanho-veludo,
que me afaga,
em sopro,
e se funde,
mudo.
Toca-me e voa,
une-se e vive,
em harmonia nua,
no sonho que tive.
Corpos que se amam.
Silêncios,
gemidos,
lençóis que se enlaçam,
em beijos suaves, tímidos...

28 junho 2004

aguarelas...as minhas

Desenho-te, não corpo, mas saudade, em traços de aguarela, sem formas. Manchas de lágrimas coloridas, esbatidas em azuis-calmos-de-mar-gaivota…
Pergunto-te, em que cores te escondes, em que traços te sorris, para os pintar e (re)colorir, em pinceladas doces, continuas, unas, sem fim, e afogar esta dor que permanece cega, em mim…

morto-vivo

Bateu a porta em som surdo levada pelo vento, em contínuo, voz irada, solta fúria e ira em gritos fundos, que não entram pelos ouvidos mas pelo sentir. Apanham-me frágil. Cai-me lágrima no chão. Uma lágrima. Não tenho mais, engolias em silêncios. Sinto que ultima. Transformo-me, modifico-me com o sofrer e com a dor. Não sinto forças para levantar os olhos, dói-me o corpo que sonhava, dói-me o menino que brincava, que fugia. Parei. Faltam-me a forças para a corrida, para os caminhos. Percebi o que é o sentir da solidão. Toda ela numa lágrima, só. Não são precisas mais lágrimas. Esta basta para me modificar, para me moldar ao que sempre fugi. Tanto me reflecti o Eu, que me fugia. Resto-me Eu, desnudado perante a frustração de uma vida em que medroso me refugiei no sonho, nas fantasias do existir. A vida fere, não sorri. É ilusão o sorriso, encobre-se, esconde-se da dor.
Pergunto-me em desassossego, o que faço aqui? Porque me trouxeste? Porque me criaste um caminho para sulcar, para andar, se não tem sentido, se não tem rumo, nem objectivo? Porque crio tanto rancor, naqueles a quem me dou, a que me entrego de alma? Porque me ferem tanto aqueles que amo? Porque me fazem lágrima, aqueles que me dou por inteiro? Porque não me olham eles? Porque não me vêem? Porque me lapidam, quando de joelhos só lhe peço sorriso? Estou cansado, preciso de um abraço, só para mim. Não me peçam nada, não me exijam mais nada, estou vazio, estou morto, consumido, estilhaçado, morto-vivo-que-transporta-lágrimas.
Dói-me a cabeça, que rebenta em mim. Perdi as cores que me traçavam o caminho, já não vejo o horizonte da alma, que me sussurrava o murmúrio das ondas . Olho o vazio que se encobre em voo de ave, negra, que se eleva ao sol e o encobre em sombras. Voa sem mim, tapa-me a luz, porque a olho de baixo , preso no chão, é ela que olha o sol, fugiu de mim…

27 junho 2004

procura

Nas árvores verdes,
de um bosque,
busco,
em buscade ti.
Procuro,
no,
fusco-fusco,
esperança,
de um sorriso,
de mim…

lágrimas

Choro,
não da morte,
da vida,
que me coube em sorte.
Oro,
rezo,
lágrima perdida,
caída,
escondida,
em página,
soprada,
virada,
sozinha.
Choro lágrima,
engolida
vazia,
da vida,
que me espezinha,
que me foge,
que me voa,
e
me
magoa.
Lá vai ela,
navega,
sem vento,
caí no chão,
ao relento.
Lágrima,
só,
ao vento,
eremita,
sem pão,
chora,
faminta,
de amor,
perdida,
da cor,
na dor,
de ser lágrima,sozinha...

sentidos

Quando se perde o sentido das palavras, resta-nos o silêncio e os ecos que mantêm acordados os seus significados, mesmo que sem vida, sem força, sem cores, porque não sentidos. Não escrevo por escrever, autómato de letras e de lugares, simplesmente procuro-os de mim parar mim, sem dramatismos, sem inquietudes, apenas desassossegos e ansiedades, como qualquer aventureiro-caminhante que desconhece o caminho que pisa, como qualquer explorador que sabe em fé que o seu suor se vai transformar em esmeralda, rara, porque só sua. É esse caminho que faço, que reinicio. Ciclo de vida, ciclo de sentir, caminhos…

26 junho 2004

no que me escrevo

Ando à volta de histórias do sentir, envolvido em emoções que se escondem na fantasia do Viver, como quem pinta um quadro sem o pensar e antevê cores na tinta que escorre em formas que se vivem sozinhas e encantam o olhar.
“são destinos”, penso. Destinos que se intersectam e que do ponto, do olhar, nasce “coisa-cor”, marcada, gravada no existir, sentida no Ver. A gota de cor, escorre, desce seiva, não chora, vive-se em reflexos. Não precisa de desenho, tal como a história, que se lhe pinta, não precisa de palavras.
“repito-me no que me conto e no que me escrevo”, penso, "no entanto tudo é novo, não há destinos que se repetem".
“como um poema”, penso, “só não sei as palavras que se me escrevem no Eu, porque afinal não são minhas, não são só minhas”, sublinho, “já não sou eu a história”, finalizo.“não sabes o que dizes”, digo-me sem pensar e respondo-me, ”só sei o que sinto, e o que me nasce no viver, tem cor mas não tem história a contar"...

ao acordar

Não havia história, conto de fadas, saltimbancos ou brincadeira de palhaços que o sossegasse. Acordou com um Querer, não sabia qual, é certo, ainda estava desfocado no VER. Era intuição, impulso, vontade. Sabia que ia existir instante, por isso não estava para fantasias, estava cansado delas. Queria sentir, queria ter, queria ver-de-olhos, sem imaginação.
“Há dias assim”, pensou, “que nos queremos reais como no sonho que nos levou até aquele acordar…”
Levantou-se e foi…

25 junho 2004

o livro

Desfolho um livro, sem olhar letras, sem ver história. Passo-lhe a mão em carícia, em amores incontidos. Não são as palavras que me movem os sentidos e os gestos, mas o que lhes imagino em cada olhar. Palavras, vivas que se transformam em desenho e este nasce em corpo que procura abraço, que procura carinhos outros. Eu, de olhar longe, repito afectos que se bailam em poemas, em folhas de livro que me sorri. É livro que começa, é livro que ama, não ensina, porque leva o olhar para memórias, para momentos sem tempo, presos no peito. Só o amor se liberta preso (no olhar, no sentir, na cor, na pele, no beijo).
Passo as folhas como quem toca uma flor. Não lhe leio história, porque é outra a que as palavras me trazem. O livro é só ponte, a palavra é só musica que murmura aragens distantes em ecos que se repetem em amores e afectos. O livro não tem titulo, não tem capa, nem desenho, nem autor, é livro que se vive, só com amor.

ensina-me

Papá, papá, ensina-me poema! Se soubesse poema, dava-lhe um nome, um perfume, uma cor, mas só sei sentir…
Papá, papá, ensina-me a imaginar! Se soubesse contar, pintava de um só traço a história que não me cabe no olhar, mas só sei sentir…
Papá, papá ensina-me a pintar! Se soubesse pintar, vivia o que só sei sentir…
Se me ensinasses, papá, estava sempre a sorrir.

24 junho 2004

semente dos tempos

Tempo, sem tempo,
de beijos,
ausentes.
Tempo dos tempos,
dementes,
presentes.
Tempos, (des)temperados,
mortos,
doentes,
tempo sem tempo
(in)temporal,
beijo-cor,
coral,
semente

23 junho 2004

ondas que se fingem

O mar agita,
negro,
o olhar que o procura.
Ventos,
sós,
que se gritam,
sem voz.
Em noite escura,
o vento sopra,
empurra-te,
levanta-te ,
espuma,
em ondas que se fingem copa,
de árvores,
de amargura.
A luz,
cega,
em cor,
em bruma,
em dor.
É alma que chora,
lágrima quente,
em forma de cruz.
O vento ora,
foge,
leva-me,
sem onde,
sem hora...

cor sépia

Encontrei árvore que me disse, vem...
Fui, sem procurar sombra, era de cor sépia, a árvore que me chamava...

brinquedos

Revi menino de cabelo-negro-azul, que quando criança, gostava de brincar com coisas-que-mexem-sózinhas. Era importante o movimento, não qualquer, mas o que se dirigia para lugar algum, ou melhor que ia, mas não sabia como, nem sentido. Estimulava-o imaginar, para onde saltava a pequena rã que escondia no lavatório de casa de banho, para onde se escapulia lagarto sem cauda, guardado no bolso, escaravelho multicolor,a fazer cócegas na sua mão, pequena formiga, formiga de asas, abelha, que lhe andavam no braço, pinto, pato, coelho, minhoca, que o fintavam no esconde-esconde, ou pequenos ovos de camaleão que escondidos em podres de madeira lá estavam à espera dele.
Era um Universo saltitante que o brilhava, que o esvoaçava em histórias e em emoções infindas, coloridas, de vida, reais, suas. Não era difícil, vê-lo a imaginar libélula em forma de dragão, pequeno lagarto, em forma de príncipe, abelha em forma de fada, e tudo rodava em volta dos seus soldadinhos-que-mexiam-sozinhos. Eram os seus brinquedos favoritos, daquele menino, que em criança tinha um mundo só para si. Hoje vi-o. Andava por aí…

22 junho 2004

azuis, castanhos...

Raptei-me do tempo.
Sem palavras.
Viajei em sonhos antigos.
Sem memórias. Roubei-me e vivi-me, em abraço, em partilha.
No fim, pintei azuis-picasso-pulseira-de-promessa e olhei castanhos, outros.
Fitei-os.
Eram castanhos-brilho-de estrela-de-marinheiro-sem-bússola, castanhos-de-caminhos, de chegada e de partida.
Sem Tempos.
Sem Palavras.
Sem Memórias.
Outros.
Novos!

praia-mar

Para onde foste, para onde fugiste, diz-me porque não estás, porque voas em céu que não avisto. Sê alma, que se alimenta no Mar que me olha horizonte. Paira, suave quase sombra, livre, mas passeia-te vezes várias na areia em que me sento a refrescar, com o sal que se mistura e se lava nas lágrimas, que se evaporam chuva no Eu que não parte.
Voa, visita-me nas pegadas que deixo na areia, como quem procura labirinto dentro de si.
Visita-me, voa-me nos passos que gravo e que fogem sozinhos nas ondas de praia-mar…

21 junho 2004

transformações

Estendi a mão e mergulhei-a nas águas do rio que me corre. Senti o fresco a acariciar-me o olhar e os sentidos, depois, lentamente (como criança que tenta agarrar sonho), tentei agarrar a água que me corria. Fechei mão, levantei-a ao olhar. Em vez de rio, levantei lágrimas que apressadas devolveram-se, gota-a-gota, sem um adeus, para o seu caminho, disfarçadas de verdes-reflexo-de-paisagem-de-árvores-vestidas-de-novo. Na mão, ficou o fresco, que se transformou em sorriso, em beijo, que se juntou ao vento adoçando a frescura, que me levantou o olhar para o horizonte-mar, e me transformou em gaivota…

danças de amor

Toquei-te de longe, ao longe, em sons mágicos que se iludem, quase corpo, que se envolve em melodias, em danças outras, suaves, doces que se embalam de amor. A melodia voa, foge, não estás. Danças, bailado de cisne-gaivota, que permanece no olhar que se estende longe, a planar quase sonho, quase cor…

20 junho 2004

fuga(s)

O sentido da tua fuga é para a Liberdade, resta saber, quem foge atrás de quem...
(sabem, e se o não sabem deviam já saber, que o autor entende que as palavras tem vida própria - usa lápis-flor, quando as escreve, ou pincel-flor quando as pinta – pelo que, questiona, se é ele que corre atrás da Liberdade, ou se é esta que o não larga e corre atrás dele), (manias esquizofrénicas, temos que admitir, daí a sua inquietude. Resignemo-nos então e deixemos o autor em paz, que A procura, por caminhos inquietos, é verdade, mas que A procura não temos duvidas).
(Para quem não gosta de labirintos o texto, a mente ou as palavras, estão a abusar, afinal quantos estão a escrever?).

In "Apontamentos para o manual da inquietação, ou como a (com) phusão (pretende-se com o recurso a escrita antiga, (mesmo que recriada) fazer uma ligação aos antepassados, e à genética que corre no ADN do autor, porque a fuga de que se fala, vem detrás, certamente, e que feita pirilampo, estimula gestos e sentires, escondidos nas almas que convergem no autor, que angustiado se deixa fugir na procura dos sentidos, olhando a liberdade no VER), de uma fuga incerta provoca um questionar inquieto de forma a saber quem foge ou quem agarra.

Nota : desculpem o labirinto do texto, deve ser do calor, aconselha-se a reler, se paciência tiverem, sem olhar para os parênteses, só atrapalham …

19 junho 2004

barragem que abraça

Trigueira,
quente,
de seda,
pousa,
borboleta,
em corpo outro,
com sede,
que a segue,
e sente.
Voam,
navegam,
de porto em porto
de rio em rio
que abraçam,
e prendem,
em barragem,
que se estende,
na brisa,
na margem.
Corpo dançarino,
flor dada,
amada,
sem ciúme,
em palavras,
em canto,
em hino,
que se ouve,
do nada,
em encanto
ao longe,
no perfume,
da aragem…

18 junho 2004

quando um sonho cabe inteiro na tua mão.

Agarrei sonho que se aconchegou na minha mão.
Guardou-se nos meus poros e transformou-me o EU.
Anda agora a esvoaçar e a libertar as cores em que se pintou em mim.
Ainda não é quadro.
Ainda o sinto concha na minha mão.
Não arde, não é vulcão, é quase beijo, é quase rosa.
Só ainda não é quadro...
Só lhe oiço o sorriso…

17 junho 2004

antevisão

Obcecado! Estava, duvida, não havia!
Envolvera-se em angústias e em insónias, à procura das cores que lhe cabiam na sua história. Inventara-se, entregara-se, todo, aos sentidos, atento, caçador, à escuta das cores, e nada.
Cada desenho, cada quadro, cada esboço, era sistematicamente amarrotado em ritmos febris e alucinantes. Minuto a minuto, hora a hora, dia a dia, vida toda e nada, não havia meio de se rever no quadro, nas cores que lhe corriam no sentir. Fora Homem, menino, mulher, lágrima dela, papoila, até personagem. Saltimbanco, palhaço, marinheiro sem saber içar vela, e nada, não havia cores que lhe bastassem.
Os ritmos sucediam-se loucos, com as angustias a voarem em papeis de cores várias, amachucadas, humilhadas, caíam lágrima no chão, uma após outra, quase arvore-de-outono.
Já sem tintas, já sem papel, enrugava-os, desprezava-os, em pedaços de vida que abandonava, em insónias, no chão.
Cansado, levantou-se raiva e de tesoura na mão impeliu-se para cortar os seus pincéis. Parou brusco, lívido. De nada valia, eram os seus pincéis , eram pincéis-flor, renasciam!
Por fim ( há sempre um, mesmo que não seja final, mas isso já foi história, outra. Não liguem ao narrador, fala sózinho, mas façam de conta que ouvem, ele gosta.), desistiu. Arrumou os pincéis, a paleta, os óleos, e os sujos coloridos que lhe pintavam vestes e panos, e virou-se para o caminho.
Ficou parado!
Paralisado! Extasiado, com o que lhe transbordava dos olhos. Tudo o que via, pedaço-a-pedaço, papel-a-papel, esboço atrás de esboço, era simplesmente…LINDO.
Sorriu!
Estava rodeado de UNIVERSO!

corpo(s)

desenho linha de corpo,
em traços finos,
leves,
rubro-acácia,
em chama,
não lhe toco,
dorme,
voa,
em corpo outro que o acalma...

16 junho 2004

questões de caminhos

O sonho é a antecipação do nosso caminho.
O caminho é sempre o resultado do nosso sonho, reflecte é a nossa vontade de o alcançar.
Nada é impossível, basta acreditar...

15 junho 2004

palavras direccionadas , brancas…

Quando os braços caem e as lágrimas nos sobem na alma, resta-nos o silêncio e sentirmos a dança do sonho, que irreverente, nos empurra para a VIDA.

14 junho 2004

inseguro?

Quando te sentires inseguro, coloca-te em frente de um espelho (não tem que ser necessariamente um espelho tradicional, é no entanto aconselhável existir alguma interacção, alguma devolução da imagem. Há quem consiga o exercício mesmo sem reflexo nenhum, mas esses, em boa verdade, não precisam de o praticar, porque não A sentem (para quem já se perdeu, falamos da insegurança do Eu…)), fixa-te e desenha os contornos, não da imagem que se reflecte mas a que VÊS (donde se conclui que o reflexo deve apenas servir para orientar o ver). Demora o tempo necessário (só tu tens pressa, por isso domina o impulso da precipitação) para sentires as linhas que te envolvem o EU.
Já está?
Sim?
Agora, ACREDITA-TE!
Já está?
O impulso deu-te um sim?
Então estás pronto para te pintares das cores que a imagem reflectida TE descobre... (tens a vida toda, vai pintando…)
Hesitaste? Então não tens outro remédio senão falar-te!

In "Apontamentos para um manual da inquietação, ou como dar sugestões a quem pretende começar a pintar…" ( onde a inquietude se esconde no contorno que se desenha)

13 junho 2004

véus

Há dois anos iniciei leitura de um livro (O sentimento de si de António Damásio), interessado nestas coisas do sentir. Percebi que se tratava de obra de alquimista (desculpem esta minha mania de dar sentidos outros a palavras antigas de uso. Neste contexto falo de químico da alma, uma vez que até à página lida, se pretendia demonstrar o quanto o sentir era fruto de reacções bioquímicas, e coisas outras, naturais, claro, pois falamos de cientista). Parei páginas, poucas, ainda o livro ia no início, há livros assim, que sendo profundos, nos obrigam a paragem até conseguirmos digerir a mensagem, tão importante se torna, no nosso viver e no nosso questionar, e que se não for convenientemente descodificada, arriscamos a alterar todo o nosso conceito de vida (aconteceu-me este fenómeno, de interromper leitura duas vezes, a presente, e em livro de Kafka, de nome Metamorfose, esse continua fechado, fiquei no titulo…). Este, repito de alquimia, de cientista conceituado nestas coisas da mente, parou-se nos olhos e no sentir, nestas palavras, “Por vezes, usamos a mente, não para descobrir os factos, mas sim para os esconder. Usamos uma parte da mente como um véu para evitar que uma segunda parte da mente se aperceba do que se passa na primeira. Este véu não é forçosamente intencional – nem sempre escondemos de propósito – mas intencional ou não o véu acaba sempre por esconder. Uma das coisas que o véu esconde mais eficazmente é o corpo, o nosso corpo propriamente dito, tudo o que lá se encontra dentro, as entranhas. Tal como um véu que cobre o corpo para manter o pudor, mas não o encobre completamente, o véu que falo esconde da mente os estados interiores do corpo, aquele que constituem o fluxo da vida enquanto esta vagueia na jornada do dia a dia.” Isto abana, porra! (termo raramente usado por quem escreve palavras do sentir, normalmente mais suaves mas que se justifica face ao abanão provocado), (acreditemos então). Ficou a germinar dois anos o entendimento das palavras, e hoje, percebi que para além daquele, há outro véu, o que esconde da mente não o sentir (partindo do pressuposto que o sentir é uma reacção, boa ou má, um reagir ao que vem de fora para dentro, e se encontra intimamente ligado aos sentidos e como consequência ao corpo, e pelos vistos químico), mas o sentimento, seja ele químico ou não, que vem de dentro para fora, e não precisa de sentidos, é o véu da Alma. Falta determinar de onde emana este véu que encobre eficazmente, o viver, da plenitude do ser, e intencional ou não, também este véu acaba sempre por esconder os fluxos do existir. Percebendo isto, voltei a abrir o livro, e recomecei leitura, vamos ver por quantas mais páginas, para já promete ser desafio ao tempo, e aos véus que nos cobrem sem pudor a vida que se nos cola ao ver.

(nem todos os dias estou tão confuso no escrever, há dias assim, valha nos a paciência…)

12 junho 2004

cidades

Gosto de acordar antes da Cidade e ver desabrocha-la em cor, em ritmos,em sons, gota a gota até transbordar em rio-flor. A emoção desvanece, e o quadro morre, quando, mais atento, vejo que os movimentos se passeiam em penumbras de olhares.
Sento-me no vazio, a saltitar em cores outras, em cidade-criança, em desenhos de fantasia, sem cinzentos, e olhos muitos.
É cidade-borboleta que esvoaça no papel que me adormece em sonhos.

11 junho 2004

manhã de aguarelas

Vi raposa que corria em nebelina a acordar o dia. Ponto de cor esbatido, ruivo-castanho em arrozal de verde-pantano. De que fugia o ponto, que se transformou só em cor, em movimentos de musica-de-olhares? ( em manhã de névoa, ponto de cor é quase água no deserto e fixa-se nos olhos, mesmo que fugindo).
De mim? Não, não de mim, que não me ia nesse vento (desculpem quem escreve, de se estar sempre a meter na história, que é só do seu olhar, mas atravessa momentos de inquietudes várias, e anda atento ás palavras, não vão elas escreverem-se de modos outros, e com já deram conta, mesmo nas explicações torna-se irritante).
Apenas ia com pressa a raposa, ou simplesmente apareceu para pintar o nevoeiro que escondia verdes-espiga de tons vários (imaginação de quem os já viu, com outras luzes, em outras manhãs, menos esbatidas de aguarelas).
Não há razão para complicar história simples, quando o estranho, o bizarro, que espantou o olhar, foi a raposa, a própria, que não é coisa comum, mesmo num arrozal em terras húmidas de rio.

10 junho 2004

contra a corrente, ou a melhor maneira de falar para o boneco...

Um Povo começa a morrer quando delega!
Um povo que delega em meia dúzia de homens, o seu desígnio, não está doente, está morto!Quando o desígnio de um Povo é um jogo, não está morto, é Fantasma!
Que os teus desígnios sejam outros verdes, outros brancos, outros amarelos e azuis que sejam Mar, Velas, Sol e Céu, sem vermelhos, sem sangue. Que sejam, serenamente, Portugal...

In "Apontamentos para um manual para a irreverência, ou como remando contra a maré ninguém nos ouve. Fica é escrito."

na corrida, no caminho...

Papá, papá diz-me, porque é que quando corres te guardas todo para o fim? Diz-me papá, porque aplicas toda a tua força, quando o caminho está a terminar, quando devias estar mais cansado e correr mais devagar? Porquê papá, dizes-me?
Todo o caminho, meu filho, toda a corrida, é uma preparação, uma aprendizagem, um treino, para o momento, e esse instante, tem que ser vivido com toda a intensidade, em toda a sua plenitude. Por isso corremos, para isso caminhamos, para o instante em que nos libertamos no todo, no sentir. Por isso me corro todo no fim, preparo-me para o grande salto, para o Instante…

09 junho 2004

mimetismo voador em cores do campo

Parei de olhos numa flor (as palavras que parem de me provocar, a que escrevi, flor, era uma Flor-do-campo, sem outras vidas que a de uma flor, escrita e desenhada pelos olhos com as quatro leras que a compõem F-L-O-R).
O que me prende o olhar numa flor, é a cor, e esta pintou-se de azuis-lilás-do-campo, cor única de flor vulgar (sublinha-se que a palavra vulgar, refere-se a flor comum, no sonho, cada flor é única, mas esta, que me entrou no ver, cresce em pedaço de terra qualquer, em cidade ou no campo, em varanda ou em vaso, só precisa de terra, sol e água. Como esta, há outras de cores várias, como a Papoila e muitas mais, que lhes só sei cor e não nome).
Voltemos ao olhar que se perdeu na cor, porque o belo do momento, não foi a flor, foram as borboletas-pétala, mimetadas em beijo-flor que a dançavam e elevavam, quase fadas, iludindo quem olha, que quem voava era a flor.

08 junho 2004

vermelhos, quase cor...

Quase raio. Quase trovoada, aos sons do Tango, surge bailarina-cigana que se dança em vermelhos-touro. São sombras, são ritmos, violentos, belos, latinos.
Silhueta de vida, que renasce, que empurra, que se mostra.
Bailarina-palhaço, que dança, que pula , em aguarela atrevida, na cor em que se pinta.
Vermelho-tango, vermelho sangue, quer-se vivo e o que traz a bailarina, não é cor de aguarela, tem brilho.
Água-cor é sonho que se espreita envergonhada no papel. Água-cor assim, que se dança tango-mulher, não é desenho, não é cor, é palavra, é poema que nos desperta do torpor.

07 junho 2004

silêncios

Não importa o timoneiro, é o Mar que me inspira, que me olha, que me vê e cola peça a peça, o que desfeito se quer inteiro. É o Mar que me leva, não resisto, vou na bruma, no nevoeiro. Sinto os cheiros, os sons, os silêncios e na pequenez do meu olhar, vejo caminho, só caminho para andar, só falta o sentir, só falta o querer. Navego, só, no mar e no mar me abraço, de longe, de perto em ondas que me embalam. É o mar que fala, que me deixa sonhar, só falta sentir, desenhar…
Oiço longe, violinos-onda-a-praiar e deixo-me ir, devagar, qual menino, a dormir, a descansar.
Não importa o barco, não é ele que me leva, é o mar…

06 junho 2004

hoje

No meu viver, hoje, canto o vento, porque me eleva, leva, leve. Por isso navego, sem barco. Só velas e olhar, de noite, com as estrelas...

05 junho 2004

para que incomode o olhar, o nosso...

“Quem se ilude que há uma só verdade, perdeu o ponto. A vista. Ela está em cada reflexo, em cada olhar em que se Acredita!A Verdade existe em cada um que a ACREDITA. A Única, a UNA, essa é intensa e cega, não se olha de frente, porque Todos não a conseguem olhar do mesmo Ponto, e cada um sabe-a, desde que a Sinta”

In “ Apontamentos para um Manual da Inquietação, em esboço desenhado a lápis-carvão”

04 junho 2004

passos

Piso passos que me pesam, que me levam, só eles sabem para onde. Olham-me pedra fria, de longe.
Fogem de medo de quem os pisa. Passos de mim, sem laços. Sózinhos.
Oferecem-se.
São passos palhaços, que se choram, que se riem, de mim…
A quem dou, estes passos?
Quem vê cor neste andar?
Refexos?
Sombras?
Caminho que não sente os passos...
Piso passos que me pesam...

03 junho 2004

o meu quadro

Juntei lágrimas ás cores que me sorriram e pintei quadro, que ficou assim, inacabado, esbatido, sem sentido, sem Vida, sem sentir.

o meu quadro, não só um quadro, é por onde caminho…

02 junho 2004

para todos vós, e para mim...

Vós,
cobardes, não ouseis sentir,
cegai,
seja qual razão,
só vos é permitido chão,
mortalha,
solidão.
Não tenteis sequer ter coração,
sois fantasma,
ilusão.
E vós que julgais,
mesmo sabendo razão,
não ousais ,
sentir lágrima,
sentir dor,
de quem sendo assim,
ainda vê,
e sente,
mesmo sem coração...

01 junho 2004

redoma

De asa quebrada,
mergulho,
em livros,
em folhas,
palavras outraspara sentir,
outros,para ouvir.R
edoma esguia,
que em mim,
se guia,
para não fugir...

não uso tempos, nem agendas ou instrumentos outros que meçam pedaços do existir. é jeito meu. por isso passar de um ano para o outro é cousa...