30 setembro 2004

ah...

Tenho em mim uma dor...
não se extingue,
não se vê.
Tentáculo de um nada
que se passeia túmulo que se finge...
Desenho inacabado,
esfinge,
cume de areia,
pedra
que serpenteia,
em terra podre,
feia.
Torre de castelo,
ameia.
Ah se eu fosse eu,
sem esta névoa,
sem esta teia,
era flor
que se passeia,
levado por colibris,
em abraço,
que navega,
barco,
no arco-íris

Ah se eu fosse,
simplesmente eu…

29 setembro 2004

hoje foram as palavras que se escreveram…

Não gosto de cores puras.
Ferem-me a harmonia. A minha, que a dos outros não sei, “cada um tem a sua e cada uma é bela para cada um” (as palavras que deixem de brincar comigo e de se escreverem sozinhas, por favor. Não me tem respeito algum! Quando quero desenhar um pensamento tomam-me o pulso e saltam-me do olhar sem me pedir licença. Não é justo).
Quando uma (cor) me risca o olhar, imagino-lhe matizes, misturas, transparências, transições, chego a fantasiar-lhes movimentos e sons, leves, híbridos, difusos.
As cores, as musicas, os movimentos, as formas (os plurais são evitáveis, é verdade, mas eu tenho tantos de cada um, no olhar…) dizem-me sentimento.
Provocam-me sentires vários.
Autênticos.
(gostava de sublinhar, “Puros”, mas depois ia repetir em demasia o conceito e a ideia que quero transmitir, para obrigar o leitor a reler e a repensar o escrito, por isso não o digo. Penso-o, só, Puros!).
Os sentimentos são pessoas.
Uma e todas, individualmente.
Cada uma é um universo de sentimentos…
Gosto de pessoas de olhares puros!
Sou incoerentemente esquisito! ( a culpa é das palavras que me desassossegam e correm à minha frente, parecem crianças no recreio, cheias de coloridos pintados de risos)

28 setembro 2004

violino-barco

Oiço um violino-que-me-chora, a sorrir. Funde-se suave no que me voa e canta palavras-som que se vivem sozinhas. Liberta palavras-cor que me levam o Tempo. O meu. Só. É violino-onda, que me navega na alma. Oiço um violino que me acalma. Prece de mãe que embala, filho que vê partir. É violino-barco que me chora, que me leva, sem mentir...

27 setembro 2004

as minhas sombras

Estremeço com o olhar que me perde,

ando à deriva, em mim,
mineiro sem luz,
sem sombra, nem negros,
corro em caminhos sem fim,
traços esguios, em cruz,
gigantes, cedros,
aqui,
muros,
ali,
escuros…

a minha escuridão pinta-se verde,
sozinha,
em mim…

23 setembro 2004

a cidade grande

É engraçado o instinto de me metamorfosear em ausência quando me passeio na Cidade Grande. Mimetiso-me, não sei se em multidão se em espaço ou em ambos.
Ando-me, sem nome, sem passado, ente as cores que sonorizam o formigueiro do existir.
Deixo-me ir sem sentido, só olhar.
Vou, translúcido de mim, como uma gaivota no Rio.
Nem o Rio é Mar, nem a gaivota é pomba, nem eu me transporto lúcido.
Sou sempre assim quando me fundo na Cidade Grande, cheia de mar, de rio, de gaivotas e pombas, coberta de luz.
Quando me regresso, venho cheio de olhares…

22 setembro 2004

destino(s)

O destino tem esta coisa espantosa de se criar no caos, instante atrás de instante, onde cada um de nós depende da intersecção dele próprio e de todo o universo...

21 setembro 2004

uma palavra, cheia de cor e de recados

Caiu-me uma palavra aos trambolhões no caderno em que me escrevia. Sentia-se “ AZUL”, com todas as letras que a palavra AZUL dizia.
Olhei-a. Não sabia o que fazer com ela.
Zanguei-me e insultei-a. “ Atrevida! Insolente!”, disse-lhe, quase excessivo.
As palavras não têm o direito de nos invadirem o olhar, assim sem mais…
Tornam-se provocadoras, cheias de inquietude…
Agarrei nela, abri a janela e joguei-a para fora…
Fugiu para longe a gargalhar-se até ao horizonte…
Fiquei-a olhá-la, até à noite…

20 setembro 2004

cabra-cega, a tinta da china

Caem-me gotas de sombras, em cinzas esbatidas pelo vento. O desenho esconde-se, não vá perder o sentir. Espreita, curioso, o Eu que me brinca, que se joga em tropelias do VER.
Há desenhos assim, cheios de mistérios que deambulam em cabra-cega, nos labirintos do aqui.

19 setembro 2004

dor

Os silêncios gritam-me, soluçam as lágrimas que se perdem na memória. Não há música, nem cor, há um dia sem caminho, sem percurso, vazio. A memória foge, redesenha-se dentro de uma caixa, sem nome, sem mistério. Dorme. Não há dor maior do que aquela que se solta num grito sem som nem lágrima. É a dor do não existir…

17 setembro 2004

educação

Tive uma professoara que nos chamava todos pelos nomes. É normal. Julgo. Mas esta, contava toda a nossa história aos amigos...
Levava-nos, todos, na sua sua vida...
Era a minha professora...

uma questão de peso

Quando intersecto com o olhar uma pessoa, uma árvore, uma flor, um rio, um monte ou coisa outra, sinto todo o peso da sua história...

15 setembro 2004

equilibrios (des)encontrados

Desequilibro-me no teu retrato, que retraço a lápis em movimentos luz.
Sou vagabundo que caminha nas linhas do corpo.
O teu!
Desalinho os contornos, geometrizo-os, como quem esconde a alma.
A tua!
Olho-te!
És sempre, TU!

14 setembro 2004

deambulações de uma bailarina

Há uma bailarina linda, que esvoaça em dança sem parar. É musica que enfeitiça o desenho do artista, que pinta e repinta a bailarina a dançar...
É dançarina, sem lágrima, quem chora é o trompete, o violino que tocam som fino, quase hino, à dançarina menina que dança sem parar.
Os olhos que brilham, que saltitam, maravilham e ensinam, o pintor a cantar...

13 setembro 2004

viagens

Há um barco que me leva,
sem vento…
Rema,
Navega, entre neblinas coloridas de aguarela,
vou, em voo lento,
à janela.
Permaneço,
em movimento,
de luz-vela
sem tormento…

Continuidades...

"há um barco que me leva ao assassino das horas,navega, rente à noite e o silêncio chega para me manter acordada. "
Cláudia Ferreira

10 setembro 2004

lágrima-memória

Há um choro que me canta e embala no longe.
Sem tempo, no tempo.
Ergue-se gigante em luz-deserto, sem vento, sem dunas a um canto que me recorda.
Ecoa em oração de monge, que abala e acorda.
Oiço-a no fundo, ao fundo num quase azul suspenso que escorre em lamúria.
Som de mim sem fim.
Labirinto-muro, em fúria, de onda, de espuma que esfuma, branca, jasmim.
Há uma lágrima na memória que me sorri em abandono, esquecida que encanta e me chama e me sopra.
Não me diz, é memória sem história, por isso canta, por isso ri.
O desenho que se espalha, cor de palha, é palhaço.
Roto, cor de aço-vermelho-baço.
Ri, de mim a brincar com as palavras, triste por ti, que não me olhas, não me vês porque parti!

09 setembro 2004

percepções

Há um farol à beira da minha noite que me assinala a presença do Mundo.
Aguarda-me em silêncio de sombra e segreda-me os invisíveis que me rodeiam sem cores. Sem ele não sentia os passos, sem ele era só eu.


08 setembro 2004

folha de papel

Tenho uma única folha branca, estaticamente branca que me desafia, porque única, porque ultima.
Interrogo-me intimidado pelo poder ilimitado que detenho, sobre esta folha que quase me cega de luz.
Pode ser universo, mundo fantástico, desenho qualquer, sorriso ou lágrima. Pode ser quadro, abraço, avião, pássaro, nuvem ou mar. Pode nascer palhaço, criança, sorriso ou estilhaço. Não me decido.
Tenho um lápis lilás, uma paleta de cores fortes e uns olhos atrevidos, ávidos de impaciência à espera que o papel se transforme em vida.
Olho o vazio à procura de um sinal, de uma palavra que o movimente, que o torne imprescindível ao olhar que o devora.
O horizonte esconde-se. Não me segreda, não me sussurra, nenhuma palavra mágica, nenhuma cor , nenhuma fantasia. Esqueço o horizonte, afago a folha e pergunto-lhe: O que queres que te faça? De que emoção te queres vestir? Quero que me deixes tal qual, carrego comigo toda a emoção do teu vazio…

07 setembro 2004

recordações

Papá, uma rosa, cheira a rosa, uma tulipa, cheira a uma tulipa, um malmequer a um malmequer. Reconheço cada flor, pelo seu perfume.
Estás sempre a dizer que uma mulher é uma flor, mas eu não sei a que cheira uma mulher! Cheiram sempre a perfumes diferentes, com nomes que não sei dizer...

06 setembro 2004

cor de árvore

Em menino pintei uma árvore ENORME, do tamanho do papel que me calhou em sorte, com lápis de cera vermelho-sangue.
Um lápis inteiro, do tamanho da árvore que me cabia no olhar.
A professora perguntou-me o que era, fiquei muito corado e disse: É uma árvore cheia de vergonha..."
Hoje quando me avermelho, sinto-me árvore, do tamanho de um lápis de cera...
(É o que dá em brincar em menino com lápis de cera cor de vermelho-sangue)

quando o horizonte nos envolve

Parado, olho o vento que me foge e que me convida.
Sinto-o.
Empurra-me.
Fico.
Fixo.
Em mim, no EU.
Fundo-me ao fundo, no horizonte.
Em mim.

05 setembro 2004

transparências

Abraço-me no silêncio.
Sem procura. Deixo que ele me envolva.
Sem fuga.
Corre-me no sangue até à alma. Funde-se e transforma-me em ausência.
É o silêncio de mim.
Revisito-me. Olho em descoberta, confundo-me com o só. Mas permaneço e desenho-me. Traço uma única linha.
Em cor de movimento…
Em silêncio, quase só, oiço as sonoridades da pergunta que dança, que me dança em sons de melodia. Flauta de Pan. Rouca.
Em cor de vento…
Abraço-me em alegria serena, pausada, que me pinta, amarelo-gira-sol-em-fim-de-tarde. Pinceladas grossas, baças, rápidas, determinadas.
Já não estou quase só, corro-me nas veias, na vida.
Em cores do existir…

02 setembro 2004

colo

As palavras que hoje gravo, não são minhas, foram contadas em jeito de história.
É história que se transmite.
É história de gerações.
Meu é só o sentir que elas provocam, em cada passo que dou no meu caminho, vá ele por onde for...
Agarrei nelas e devolvo-as ao vento, para se viverem...

"Mãe, mãe, tu mentiste-me!
Porque o dizes, meu filho?
Disseste-me que Deus estava em todo o lado e não é verdade, Mãe! Hoje andei pela praia e só vi as minhas pegadas na areia...
Andas muito distraído, filhote. As pegadas que viste na areia, eram as Dele, que te levava ao colo..."

01 setembro 2004

distrações

Visitei o ( meu) rio.
Estava parado, com uma pele verde, opaca de luz.
Pensei serem os verdes das árvores reflectidos, petrificados, estáticos por tanto se olharem nas águas do rio. Não gostei do sentir a que o pensar me levava, porque árvore é arvore, não narciso.
Olhei fixo aqueles verdes, cheio de interrogação no ver.
Porque me paraste? Perguntou-me o rio
Eu?
Sim tu!
Mas eu não te parei, tu corres, bem sabes que corres para o mar. Oiço-te. Por debaixo dessa tua pele verde, opaca, corres…
Ouves, mas não me vês. Deixaste de me olhar quando me roubaste o verde e o levaste contigo. Levaste-o todo, só para ti e desinteressaste-te de mim. Quero maravilhar-te com outros verdes.
Não! Eu gosto dos teus verdes, os teus verdes são os das tuas árvores, das tuas águas, da tua luz! É dos teus verdes que eu gosto!

Se gostas tanto dos meus verdes, porque deixaste de te maravilhar comigo?
Porque dizes isso?

Porque passas por mim, já com todos os verdes no teu olhar e não deste conta da minha tristeza, por sentir que sou apenas a tua paisagem…

não uso tempos, nem agendas ou instrumentos outros que meçam pedaços do existir. é jeito meu. por isso passar de um ano para o outro é cousa...