31 agosto 2004

guitarradas

Quando as palavras escurecem, não há nem sorrisos nem abraços.
Há um silêncio sem caminho que toca sozinho acordes torpes de guitarra.

Oiçam!

É a alma que pára?
Que Chora?

São os passos!

Que tropeçam,
gritam, e vibram corda,
sem tempo, o Eu que ora…

30 agosto 2004

chuvas...

Caem,
sem som,
sem voz,
gotas…
Pedaços de mim,
uma a uma,
em silêncios,
gota a gota,
letra a letra,
cor a cor…
Pingam
uma a uma.
Labirintam,
sem fim…

29 agosto 2004

ir...

Abriu-se porta na alma,
no corpo
e derramei-me entre a calçada,
branca,
negra,
calma.
Carcaça espantada,
ressequida de nada.
Hoje não me ando,
não caminho,
no fio,
não olho,
vazio.
Sou noite escura,
maré viva, sem praia.
Sou sal,
cor,
rio,
mar,
sangue,
cera,
estanque,
grito de dor.
Arame,
garrote de morte,
sem fé,
sem norte.
Fechem a porta,
abram as janelas.
Quero luz,
forte,
vento e velas
e ir,
em sorte…

28 agosto 2004

ainda as cores

As cores mesmo que criadas ou inventadas por nós, não são como os filhos, são como as pessoas. Gostamos mais de umas que outras. As que gostamos muito, quase não lhe tocamos, ficam no olhar e deixamos que elas sejam tal qual, porque nos encantam e nos maravilham o sentir. As que gostamos menos, lançamos-lhe um olhar e sem querer, ou querendo, mas sem o sabermos, começamos a interferir, um pouco de amarelo, um toque de azul, um pingo de verde, dois de vermelho, até gostarmos, até ficar a nossa cor que gostamos muito. As que não gostamos, damos-lhe forma, desenhamo-las e usamos todas as cores de que gostamos para nos sentirmos em comunhão com o reflexo, da forma e da cor. As outras, não existem, não nos cabem no sentir e na intimidade. São de outros, têm outra multidão a gostar delas, muito ou pouco, tanto faz…
Eu sou íntimo de poucas, sou um pintor de poucas cores, gosto muito de desenhar…

27 agosto 2004

tempestade

Fui ao mercado, tinha acabado as minhas cores, mas deve ter havido uma tempestade gigantesca, não havia cores frescas.
Não tive outro remédio se não pôr-me a inventar…

26 agosto 2004

de amores...

Hoje enamorei-me! Perdi-me de amores, não por uma mulher, flor, som, cor, ou tantas outras coisas que me rouba o sentir, mas por uma palavra.
Intrometeu-se entre mim e o ver e desinquietou-me a alma.
Trespassou-me em desprezo de mim e enroscou-se divertida no EU, até implodir em forma, som, imagem e sentir.
Deu-se por nome: Infinitude, de pai infinito e mãe, quietude.
Conseguem descrever o sentir quando esta palavra implode dentro do nosso olhar? Conseguem despegar-se dela?
Conseguem atingir com o ver, a profundidade da serenidade que o saborear da Infinitude nos oferece?
Não se encontra por aí, a palavra, eu sei, procurei-a em todos os livros que já li, devorei o arquivo das palavras e à medida que fui procurando, fui crescendo perdido na emoção do sentir.
Tem um problema, nada é perfeito, nem as palavras, não permanece…
Talvez ande por aí a saltar de alma em alma...
Tenho pena que não tenha tempo de me revisitar, queria tanto senti-la outra vez…

25 agosto 2004

o fato, de um dia sem ventura

O dia acordou-me branco, alado, cor de lençol.
Dei passos curtos, medrosos, hesitantes.
Estava sem palavras.
Dormiam.
Ninguém anda a passear na existência sem palavras, as suas.
As minhas ficaram Todas a desenhar brincadeiras, incolores, desassossegadas no sonho, revoltadas. Na almofada.
Penso na imagem de um homem que se passeia sem ventura, sem palavras. Não consigo imagem, porque a digo antes de ver e estou sem palavras, as minhas…
Será?
Finjo?
Fragmento-me?
Cala-te!
Acorda-as e veste-te nelas!

24 agosto 2004

coisas de cágados e de mim...

Gosto de cágados!
Não lhe sei razão, mas sempre que os olho, contam-me histórias, os sapos também.
Sou esquisito, eu sei, mas não consigo evitar.
Um cágado, mais que um sapo, tem presença de filosofo.
Os filósofos contam histórias, os cágados também, mas mais profundas, porque têm todo o peso da eternidade.
Os cágados tem o desenho da eternidade. Parecem milenários, mesmo quando saem dos ovos.
Por vezes, ás escondidas de mim, ponho-me a andar lento como os cágados e não me saio nada mal, até conto histórias, só não sei quem escuta e se as ouvem como eu oiço, as histórias que eles me contam.

23 agosto 2004

distracção

Sonhei que era pedaço de tinta, gota escorrida do pincel de artista. Não lhe sei nome, nem obra, nem a cor em que me vi pingo, porque me esborrachei inteiro na paleta do pintor…


caminhante

Carrego ás costas uma mochila, cheia de tempo. Vou montanha acima, esquecido da chave e do peso.
Vagueio, vagabundo no espaço.
Não procuro.
SOU!

22 agosto 2004

AZUL

Agarrei nas asas e voei.
A ouvir-me,
SÓ!
Suspenso,
entre as nuvens, as árvores e o mar.
AZUL!
quase pássaro,
quase homem...


Figueira da Foz, 22 de Agosto, 2004

Caro Mário ( de Sá Carneiro)

Desculpa interromper o teu desassossego, mas quando acabei de sentir e escrever as plavras a que dei cor AZUL, vi-te!
Primeiro pensei, " ele voou de alto desta serra, sentiu estes verdes, este sol, este mar, este azul." Depressa dei pelo equívoco e percebi que afinal foste tu que andaste a voar dentro de mim...
Por este voo, o meu mais sincero obrigado,
Um abraço,
almaro

21 agosto 2004

Na linha difusa, onde nada acontece, quando o olhar se enche de vazio

Corri no horizonte, no tempo e na memória.
Fugiram-me os olhos para o desencontro, tentei pintá-lo, desenhá-lo, dar-lhe contorno, mas perdi-me no vazio de não sentir…

20 agosto 2004

diz-lhe…

Mestre, o que dizemos a um filho, que nos amachucou como se fossemos um papel e nos jogou fora ao som de palavras indizíveis?
Diz-lhe que dificilmente o papel estará no mesmo local quando voltar a procurá-lo. Diz-lhe que há ventos que sopram, que há vidas que passam, que há instantes que se perdem, só por andarmos distraídos. Diz-lhe que devemos estar atentos, quando jogamos fora um papel que contém todas as palavras que nos ensinaram a olhar…

19 agosto 2004

a forma e a cor de uma dor...

Encontrei uma lágrima, sozinha, perdida. Colhi-a e sorriu-me com todas as cores de um reflexo. Agarrei em tintas e misturei-a em forma de flor. Não lhe dei nome, só lhe sinto a cor que me cobriu a dor...

18 agosto 2004

mar (es)

O Mar não coube em si, transbordou em revolta, contra as paredes do Mundo, em carga de cavalos brancos, que explodiam em relinchos loucos, ao desenrolarem-se, ocos, sem vida…

17 agosto 2004

olhos que cantam, fechados, em piano bar

Cantas, no escuro,
de negro, para ti,
que olhos não calam,
ausentes,
que outros falam, sós,
de si,
não mentes,
cantas,
de alma,
a tua,
dedos,
em dança,
no ar,
rio,
na foz ,
com calma,
de corda,
em voz,
nua,
de setim
que canta,
sem medos,
nem frio.
Piano vivo,
vibra, encanta,
em bar, no mar,
sem lua,
a voar,

sem mim.

16 agosto 2004

olhares que se pintam

Quem olha sabe, que nada é perfeito.Tudo o que existe, reflecte sombras, reflexos, ilusões. Só o sentimento, é olhar que trespassa o corpo e chega à alma. Quem olha distorce o que só o poeta vê. O olhar que tu vês, são os teus passos, são o teu querer, o teu mundo que esvoaça, que te envolve, que te agarra e não te quer perder. Os olhos podem ser de outro que se esconde, mas o olhar, o sentir, o viver, esse é teu e pinta-se de ti.

15 agosto 2004

formas de andar...

Papá, Papá, diz-me, porque é que as pessoas, andam, a olhar para o chão?
Não sei filho, talvez estejam a pensar, mas não sei, o modo de andar de cada um, é com cada uma delas.
Eu quando penso, papá, levo os olhos todos para diante. Não me pesa o pensar…

13 agosto 2004

copiar fantasias

Quando agarro num lápis, a copiar fantasias que nascem no contorno do olhar, esqueço-me do existir, esfumo-me no desenho que se (des)linha em sentires. Quando (des)contorno, forma ou alma, não sei se sou olhar ou lápis de giz que se esvoaça em pó, de cor que só ele sabe...

12 agosto 2004

olhares

Não tenho nem novo nem velho no olhar. Tenho a novidade que o Tempo libertou ao esbarrar comigo...

11 agosto 2004

jardins

Há ilusões que alimentamos, cuidamos com ternura, transformados em Jardineiros do Existir.
Acarinho no meu imaginário que as sonoridades de um violino, são um olhar de Deus, que chora a emoção da serenidade.
Antes do nascimento do UM, deve ter existido um violino, que tocou sem parar...

10 agosto 2004

encontro surrealista

Encontrei Mestre Dali, reencarnado na paisagem de um canavial, daqueles que seguem os caminhos em sombras quase verdes e que por mais que se cortem, crescem sempre e sempre verdes. O Mestre via-se, D’ali, transformado em formigueiro de caracóis. Reconheci-o pelo bigode desenhado nos olhos dos caracóis, ao sol. Os caracóis pintavam-se em cachos brancos, em imagens gémeas, de flor de jarro, sem fim na vista, floridas no canavial (desconheço flor de cana, de canavial vulgar, de verdes comuns. Ignorância ou distracção imperdoável, mas se tiver e acredito que sim, não são flores-jarro. Tavez sejam verdes, camufladas em transparências, talvez em cor-pequena, sem direitos a reflexos do olhar, talvez flor-minhoca, escondida semente no humido da terra).
Quando souber pintar vou retratar o mestre, verde-branco, flor de jarro e gravata erecta, amarela-ovo, com mil bigodes de olhos de caracol, com um girassol no meio dos verdes a cair do céu .

09 agosto 2004

os sons de um olhar sobre uma bailarina-cisne

Espreito bailarina que esvoaça dança, branca-de-cisne-em-sombras-cor-de-rosa. Não é mulher, nem flor, nem poema, nem escultura, nem cisne, é quadro em movimento que vai directo ao coração sem passar pelo olhar.
As linhas que contornam o desenho da bailarina que saltita as cordas do violino, não tem cor nem luz, nem nada, é um sonho de alma que nos sorri num branco-multicolor

08 agosto 2004

palavras-semente

Tentar transformar sentimentos em palavras, é como plantar uma flor. Semeamos cor, em Rosa e aguardamos com o olhar e o querer, um florir rosa-vinho-d’ouro, cor que nos saltou da paixão, do amor e não da flor.

07 agosto 2004

sem cores

Andei a saltitar de palavra em palavra e não fiquei em nenhuma. Escondi-me de amarelos-luz, estendido na praia, sem mim.

06 agosto 2004

olhares que partiram



henri cartier-bresson, 1908-2004


um olhar a preto e branco, onde as linhas de contorno tomam vida própria e sentimentos vários. Quadros de vida, reflectidos no olhar-da-alma de um poeta, que pintava instantes.

05 agosto 2004

o sentido das palavras

Sonhei que acordava num local sem nome, onde as palavras só tinham um sentido. Preto, era preto, não era sombra, nem gato, nem noite, era preto. Ternura era carinho, não era senão carinho, não era paixão, não era amor, não era senão ternura, acto que se transmite com meiguice, a quem nos entra pelo olhar dentro, com ou sem licença. Acordei sobressaltado e cheio de angustia. Naquele sitio a palavra sonho não era senão pesadelo e isso não cabia num lugar que se pintava com palavras em desenho intimista…

18 pedaços do céu

Escrevo, embalado por pedaços do céu, como quem descobre pequenos tesouros e fica maravilhado, com os olhos caídos em cada um. Queremos todos, de vez só, conscientes que assim perdemos o único de cada um. Oiço cada pedaço e invento uma história individual, só minha, íntima. São dezoito, os pedaços de céu que me couberam em sorte, escolhidos longe. Vieram no vento, com ele. Pequenas nuvens brancas, cúmplices que souberam chegar a mim, sem palavras, só sons, cor e sorrisos de silêncios. Escrevo, contos de menino, só para mim, porque só eu sei a forma com que cada um dos pedaços de céu se abriu em mim.

04 agosto 2004

encontro

Trago de um encontro,
a imagem de um braço-de-menina-mão-de-asa, que flutua na brisa em mergulhos-peixe que ondulam em abraço do vento,
a palavra ternura e uma mão cheia de cumplicidades.
Em moldura, um dia azul-mar e o começo de um caminho que foge para além do olhar.

03 agosto 2004

debuxar...

Vivo nesta ilusão de sentir fisicamente um sonho, de o tocar, de o moldar, de o transformar em irreal. Mergulho na inquietude e no desassossego. Não imaginam a serenidade que me fervilha na fantasia de me confundir nas formas de reflectir o VER.

02 agosto 2004

similitudes…

Há uma grande disparidade entre a minha árvore genealógica e o Plátano que olho curvo para o céu e que se dança em sombras à minha frente. Na minha árvore todas as folhas tem nome (ou pelo menos já pairou em tempos outros, no chamamento de folha outra, com emoção ou sem ela). A que se me ergue no VER, inundada de existir, se os tem, não diz a ninguém.
Em cada uma das folhas, da minha e desta que me assombra em espanto e que se veste de verdes frescos, só há uma coisa em comum, encerram um universo infinito nas linhas que as contornam…

01 agosto 2004

sorrisos de fantasia, em jeito de passeio interior

De olhos fechados, experimento a sensação de ouvir o que não cabe em mim. Tento soltar os ruídos que se colam ao sentir, em melodia aguda e fina, mas tudo se esconde, nas grutas de uma memória que se pinta de verdades. Tudo sou eu, não há fuga. Mesmo os gritos, mesmo os quadros deitados fora, todo o lixo do sentir que guardei e vivi, colou-se-me à pele das emoções. Sou um conjunto do não querer.
Abro os olhos cheio de vontade de repintar o quadro, mas ele está ali defronte, pendurado na parede, assinado e datado.
Tento-me em roubá-lo.
Ladrão de mim!
Resisto.
Deixo-o pendurado, mesmo torto, a querer cair para um dos lados, desenquadrado, desequilibrado.
Saio.
Lá fora está um dia cheio de luz. É intensa, mas vou, sem fechar os olhos. É cor de estrela, é cor de caminho. Sabe bem o calor da cor que não nos deixa esconder o ver. É de um quente transparente que nos sorri de fantasia.

não uso tempos, nem agendas ou instrumentos outros que meçam pedaços do existir. é jeito meu. por isso passar de um ano para o outro é cousa...