31 dezembro 2004

guarda tu, agora, é a tua vez...

Coimbra, em manhã de nevoeiro, escuro, baço
Em dia sem tempo(s) para ir ao teu encontro, dar-te um abraço,
Escrito e dito, na data que se pendurou em moldura, indiferente, estranha ao que se vai dizer…

Querido Palhaço,
Caiu um nevoeiro cinza por cima do nosso Mar.
Denso, quase escuro.
A separar-nos.
Consigo ver ao longe o desenho do teu brincar em forma de sorriso.
Enorme, GIGANTE, vermelho-de-encantar.
Parece, (o teu sorriso-palhaço), um farol escondido no ar e do tempo (lembra o teu vestir, ás riscas, a circular cambalhotas, a sorrir, sempre a sorrir, ora vermelho, ora rir)
Envio-te este escrever, em carta, não vás esquecer-te que continuo aqui, a esperar-te e a ver-te. Tenho coisa tua, para te dar, quando este cinza, quase mar se levantar em nuvem para outro lugar. É aquela lágrima tua-nossa que sobrou do nosso Mar, quando nos entretínhamos a sonhar, sem tempo(s). Está aqui, na minha mão, para a devolver, é a tua vez de a guardar.
Um abraço, saltimbanco-vagabundo, para ti, para o meu melhor amigo, palhaço…

Ps. Dei conta, hoje, só hoje, que não é possível pintar um palhaço, sem a ajuda do vermelho, mesmo que se vista todo de amarelo…
PPs: Não disse, digo-o agora, tenho tantas saudades tuas…

In " Blogue de Cartas"

30 dezembro 2004

não os pintei...

Fui de asas emprestadas por um bando de gaivotas-de-rio e transformei-me em brisa, quase água, quase silêncios.
Passeei em terras de verdes-frio, sem cinzentos-fosco, puros, autênticos.
Vagueei nos meus verdes. São os meus verdes...ainda só olhar.
Não os pintei…
Parei. Numa espécie de pausa de Vida, de instantes, para ouvir todos os pedaços de silêncio…aqui o melro…ali a perdiz… mais além o canavial, pedaço em pedaço, trazidos pelo vento.
São os meus sons...ainda só olhar.
Não os pintei…

29 dezembro 2004

a ameixoeira do quintal...

Era uma árvore feia, escondida entre muros do quintal.
Escanzelada.
Talvez da enxertia, talvez da sua insignificância, ali estava, Inverno após Inverno em silêncios, na sua solidão de ameixoeira.
Nem o vento a acariciava em brisa e o sol só quando feria, a visitava.
Talvez por tudo isso era feia, a ameixoeira do quintal.
Em jeito de grito, resolveu carregar de frutos os seus frágeis ramos até não poder aguentar o peso da sua desesperança. Um a um foram partindo, amputando os braços, as mãos e os frutos num silêncio de indiferença.
Tivesse decidido o seu grito em ano outro e tudo seria diferente, mas este, foi ano de angústia, de doenças várias e o quintal ficou sem os sorrisos, sem os olhares, tempo de mais.
Quase morreu, infectada de fungos, de talas de emergência e a sua feiura já de si saliente, estilizou-se em apelo, em socorro numa tentativa desesperada de cativar olhares.
Cativou.
Com carinho, falas muitas, de serrote na mão, lá se aparou o esqueleto enrugado e perdido, da ameixoeira do quintal.
Não sei se foi da conversa, ( ou das confidencias trocadas) se da debilidade, se da feiura, ou pelo simples facto de ter ouvido os seus gritos, mas os olhos, os meus, regressaram cheios de preocupação e de laços.
Quando voltar da cidade grande, o meu primeiro olhar será para a minha nova amiga…
É tão bonita a ameixoeira do Quintal…

22 dezembro 2004

um Natal de olhares

Vou estar uns dias fora.
Levo-me apenas.
Sem tecnologias sem nada.
Vou, no meu ir.
Volto depois…

Deixo uma oração, a minha e começa assim…

"Que todos os dias, os dias todos, os olhares, os meus, os teus, os nossos, Todos, se focalizem em Todos os olhares que gritam silêncios… "

Assim seja…

ah se começasse hoje, que Natal seria amanhã...

portas por abrir

Ah, com gostaria de ser um livro e de me metamorfosear em cada um dos sentires que nascem entre a folha, a palavra e o olhar, de cada um que se finge na história e que não chega a germinar.
É no que se passa entre o "olhar e a coisa", entre a imagem e o desenho, entre a história e a palavra, entre o ser e o existir que se encontra a porta do maravilhar…

21 dezembro 2004

(com) fusões

Tenho esta tendência amarga de me ingerir em sabores exóticos e de não saber por onde ir, transformado em nevoeiro-cinza-azul, de um cachimbo que insiste em sussurrar-me palavras que não ouso sentir…
*
Em mim?
Noutro?
Não!
Sou um "passo-pássaro" que olha o Eu que não Me diz.
Por isso vou.
Sempre.
Nem sempre em voo…
Mas estou aqui,
em mim…
Outro?
Não!
Só se morto!

*escrito em guisa de comentário, agora revisto e rescrito, em à luz de uma vela

Não gosto de explicar o que escrevo, porque o escrevo sem explicação, mas quando percebo que me escondi em demasia nas palavras sinto essa necessidade, não vá um de vós tratar mal as palavras que me fizeram companhia no instante de me saltarem do ver, por isso aqui fica o meu olhar dissecado:
Estava sentado no meu espaço com um livro de Lobo Antunes na mão e fiquei parado a pensar, num ausência completa. Fumava o meu cachimbo ( engolir sabores exóticos) transformado em fumo ( nevoeiro-cinza-azul) , sem saber por onde ir ( tentativa de retrato de uma ausência).
Quando fumo cachimbo, tenho o hábito de fantasiar histórias enquanto sigo o desenho do fumo (sussurrar-me palavras que não ouso sentir).
A segunda parte foi um comentário que deixei no “À Luz de uma Vela” e foi inspirado na leitura de um verso lindo da Ridufa, mas tem a ver com a primeira parte do texto.
Pretende questionar o seguinte:

O que fantasio, existe em mim ou noutro eu que me habita?
Respondo, decubro-me, que não existe um outro, que sou sempre eu, mas um pássaro (sonhador) que voa que interroga a sua essência à procura de um Eu escondido.
Por isso caminho (procuro, vou), mas nem sempre no sonho( nem sempre voo),mas sempre comigo e com os meus princípios, com o meu querer.
Ser outro?
Só depois de morto (revela, sublinha, a minha teimosia em ser EU)
Foi isto que se escreveu naquele instante, e não coisa outra...



20 dezembro 2004

quando se ouve poesia

Desenho-te, não o corpo, não as palavras que te correm sentidas no dizer de um verso, mas a menina que brinca com o olhar e os sorrisos que te fogem do VER abraçados em alegria.
Sorrisos endiabrados de sedução e fantasia.
Vagueias, no palco, numa história que não contas, mas que te desenha nos gestos, um bailado de contares infantis…Quatro, dizes tu, personagens deste conto, sublinhas…
São de facto.
Quatro.
Quatro melodias, mas um só olhar, e esse é o teu.
Só teu.
O de uma menina que foge do corpo, da pele, da vida e dança com os olhos, divertida.
Não eram precisas palavras, para ouvir poesia.
Bastava aquele olhar, e ficava ali todo o dia…

19 dezembro 2004

chuva num campo de papoilas



Hoje passeei-me num campo de papoilas, que nasceram à chuva só para me olharem...
Ficaram assim, desta forma a sorrirem-se para uma gaivota que resolveu voar...

17 dezembro 2004

dá-me um sorriso...

Dá-me um sorriso” ouvi em eco de longe, como quem pede “pinta-me um quadro, de azul, preciso de azul, do teu azul…
Fiquei com as palavras a saltitar-me no sentir, agarrei nas cores e nos lápis, coloquei-me frente ao espelho e desenhei-o. Primeiro a base, depois o esboço e finalmente as cores (poucas que o tempo é de crise).
Houve momentos subtis no pintar, em que cheguei a fechar-me no olhar à procura do sentir. Foram esses momentos que salvaram a pintura.
Quando (re) olhei , lá estava o sorriso...Discreto, é verdade, só não era azul…

16 dezembro 2004

15 dezembro 2004


Esperas, sem angustia.
Perdeste tudo, até a dor.
As horas, desfazem-se no tempo que te foge, sem gritos. Sem os teus gritos, que és menino sem voz.
Longe da humanidade, sem memória, sem passos nem caminhos, esperas, o nada.
Olhas, o desespero de teres perdido o sentir que mendigas, sem existires.
Já não és nada, nem numero, és buraco negro, indiferente, sem cor nem passos.
Roubaram-te o caminho, espezinharam-te a alma, mas continuas aí vazio sem nada, à espera. Nem a morte te quer, porque a morte só deseja a vida.
Hoje o meu dia, é teu, sou o teu grito, o teu vazio o teu nada...
Não tenho presépio, nem palha.
Espero.
Olho.
Estou ao teu lado, sem grito, vazio, pintado de vergonha e de cara tapada...

14 dezembro 2004

saber não ser...

Tentei desesperado desenhar uma flor que não queria existir. Fugia-me do lápis em gota de aguarela, envergonhada.
Escondia-se em cada pedaço do olhar que a inventava, triste, desfragmentada.
Não me desenhes, se não me sentes, se não me ouves, se não me cheiras. Não basta que me saibas a cor, disse-me baixinho para não me envergonhar nem me fazer sentir dor.
Como era linda, a cor daquela flor…

13 dezembro 2004

não fosse aquele menino…

Passei por um circo saltimbanco, sem palhaços, leões ou malabaristas.
Erguia-se numa tenda enorme cheia de coloridos e de fanfarras.
Era um fantasma de mim, vazio, sem nada.
Ah, mas tinha uma bailarina linda, que dançava sozinha, parecia saída da fantasia, não da minha, que estou sem cor no olhar, mas daquele menino que ali estava quietinho a sonhar…

(desculpem, quem lê, esta fase egocêntrica onde cada palavra que me sai do sentir, escreve um eu, ou um em mim, isto passa, tenha eu vontade de sair de mim...)

12 dezembro 2004


A Cláudia, amiga da Marília ( tinta permanente) vai dizer poesia, num sonho que tinha de fazer teatro. Posted by Hello

sede

Passeio-me só, numa ausência voluntariamente vagabunda ao longo do caminho a colher cores. Cada uma é um significado que guardo para redescobrir. Não o desenho, caminho-o.
Nestes dias, em que me converso e me oiço, fico sem me saber, porque aquilo que me encontro, é uma espécie de água que se bebe sôfrego sem saber de onde ela vem…

11 dezembro 2004

perguntas sem um sentido

Perdeste-te? Será que te esqueceste de questionar por onde é o caminho?

Porque não nos interrogamos sempre, sobre o que fizemos com a nossa humanidade durante o dia que se nos consumiu no olhar?

Quando uma ave voa sozinha, será que anda perdida?

Queria tanto sentir-me “olhar” e não um pedaço de nada esquecido de se interrogar…

InApontamentos para um Manual de como interrogar a inquietude. A nossa.

09 dezembro 2004

metade(s) do UM

Porque metade de mim, és tu que não estás e não estando, não há meia solidão, há uma coisa enorme que dói por inteiro no coração.
A outra metade, que só tua,são passos-pincel, que pintam cores e vida.
A metade que me resta, ah a minha, só se for poesia...


07 dezembro 2004

um pedra cheia de querer

Engracei com uma pedra. Não pela cor, nem pela forma, mas por estar ali no meio do meu andar.
Olhei-a, em conversa (daquelas conversas que temos com todas as coisas que nos entram no olhar e ali ficam a provocar-nos, seja pedra, rio, nuvem, quadro, flor ou coisas outras), mas ela mandou-me seguir caminho.
O meu parar incomodava-a “ Sai! Sai da frente! Sai! Não ouves?” Repetiu-se em soluços simpáticos mas insistentes.
Fiquei intrigado, porque não a imaginava com olhar. Pedra que é pedra, não tem frente nem costas quanto mais “olhar”.
Fui. Na volta tornei a vê-la e parei-me provocador, mas não me disse nada.
Sonhei”, pensei “ lá estás tu com as tuas histórias”, disse-me. Fui com toda a intenção de ir, mas fui interrompido por um sussurro, “Espera! Fica aqui comigo! Preciso de ti!”. “Para quê? Porquê?”,Cansei-me de ser pedra! De manhã quando passaste por mim, estava a olhar para aquela papoila, aquela que ali está, a olhar para mim. Quero que me transformes em papoila!”, “Mas tu nunca serás uma papoila! Serás sempre uma pedra!”,Tu também já foste menino e agora és homem, porque razão não posso ser papoila?”

Agarrei nela e esculpi-a, papoila…

O sol encarregou-se de lhe dar cor…

06 dezembro 2004

aguadas

A sombra pesa-me no olhar.
Transpareço-me em aguarela, de aguada em aguada. Esquisso de mim que persiste em esmagar-me a cor.
Segue-me, escura, pesadamente fina, em película de terra negra, suja…
Agarro-a!
Estendo-a ao sol!
Gargalho-a com humilhação no rir libertino, ao vê-la evaporar-se, leve, numa nuvem descolorida em fuga desencontrada, para o mar…

Os comentários lidos até ao momento deixaram-me preocupado com o sentido e o (des) sentido que as palavras tomaram.
Não é a primeira vez e não será certamente a última, que elas (palavras) me fogem do sentido, do meu. Por isso gosto tanto delas.

Expliquemos então o escrito, como foi sentido no instante em que tomou forma:

Acordei confuso, com se uma sombra me retirasse o olhar, o entendimento. Coisa normal, quando se acorda cedo e se dormiu pouco. (A sombra pesa-me no olhar).
Tentei entender-me, descobrir a causa (daí o translúcido) quanto mais transparente menor é a sombra que se projecta, quanto maior for o entendimento menor será a sombra. Como sou homem das cores imaginei que essa clareza pudesse ser representada por cores de aguarela, normalmente mais claras, logo mais translúcidas. De aguada em aguada, representa as várias tentativas de aclarar as cores.
O esquisso de mim, é o esboço que a sombra reflecte no chão ou na parede, não é relevante, só falo no chão por causa do dito seguinte. Escrevo que mesmo assim, o raio da sombra me persegue e sombra que se preze, esconde (esmaga) a cor. ( a ideia do texto foi a de dar peso à sombra, que obviamente não o tem, pelo menos mensurável)
“Segue-me pesadamente fina”, não necessita de explicação, aqui as palavras ficaram agarradas ao seu significado.
A película de terra suja, é a imagem que tenho da sombra, e como de seguida a vou pegar, tive que previamente a transformar em película. Terra suja, é só para acentuar o escuro da sombra.
Estendo-a ao sol. Foi o que fiz. Quando se lava a roupa põe-se a secar.
A imagem e o acto, deu-me vontade de rir. Um rir libertino, porque libertador. (hoje a palavra”libertino” e o sentir associado não me largaram o olhar depois da sombra partir) Já imaginaram a vossa sombra pendurada num fio a secar???? Eu ri-me até ela se sentir humilhada, porque o riso teve a arte de a fazer desaparecer. Evaporou-se e pronto.
Quando há vapor há nuvem e esta de tantas tentativas que teve minhas para se descolorir ficou assim mesmo, descolorida. Para o mar vão e vem, as nuvens…
Posto desta forma, já não há mais explicações a não ser o porquê de me sentir assim libertino, mas isso não explico, é só meu…

02 dezembro 2004

a estrela

Ouvi uma melodia que me abraçou, entrou suave e tomou conta de mim.
Vinha de uma estrela que atrevida aprendeu a tocar guitarra só para me encantar.
Ainda lá está, a sorrir-me.
Será que ela sabe que a vejo e oiço, aqui de longe e que os meus lápis dançaram uma história em aguarelas só para ela?
Talvez não saiba, o melhor mesmo é ir dizer-lhe…

01 dezembro 2004

o muro

Há um muro que me persegue, que se julga senhor dos meus labirintos.
Não tem sorte este muro que de tanto me acompanhar, é o meu muro. Sabe ele que voo, que lhe abro janelas, mas ele insiste tanto em me empurrar com a sua sombra que foi com ele que aprendi a ser teimoso.
Só hoje percebi que o muro é afinal, a linha do meu caminho. De um lado está a realidade do sentir, do outro a do olhar…
A gaivota leva-me de um ao outro lado do muro, mas o caminho que me levam os passos, esse é o muro que construo.
Por isso gosto tanto do Mar. É aí que o sentir e o olhar se fundem, numa espécie de sonho que se vive sem voar…
O muro, esse, é vulgar. Não é mostrengo, nem formiga, nem poeta, nem Quixote, é um muro de tijolo-pedra que se estende devagar…

não uso tempos, nem agendas ou instrumentos outros que meçam pedaços do existir. é jeito meu. por isso passar de um ano para o outro é cousa...