31 janeiro 2005

(des)pedaços

Escuto o silêncio com a curiosidade de nomear o que sinto.
O frio escondeu as cores e desoriento-me nos sentidos...
Não sei se é da espera, se da tempestade-da-alma que me navega em zanga sem ventos nem lágrima, mas prendo-me nos passos que me fogem sem sombra. ( os sentimentos não têm sombra, são inteiros de olhar…)
Fico-me,
fixo,
sem reflexo,
nem imagem.
Até a memória se ri em imitação de palhaço e eu continuo sem nome para o que se perde no tempo, sem vida, desarvorada . ( desenraizada?)
Não vale a pena esperar, vou inventar todos os nomes do sentir e arremetê-los ao mar,
cada um,
na sua garrafa-navegante, a fingir-se história, despidos,
cada um,
nu,
despedaços de poema,
desfragmentados de mim ...

30 janeiro 2005

(in) certezas

Saio de mim num sopro de perguntas, como quem duvida que sente, que existe. Não é a resposta que me sacia, mas a certeza de me saber inteiro.
O vento levou-me em pedaços.
Procuro cada fragmento, com a sede de um olhar que aguarda um sentir.
Só o lápis me reconhece, porque fixou as linhas que me separam da sombra.
Hoje sou o que o lápis me sorrir, só depois saberei cor.
Que sejam quentes as cores que se colarem no cenário dos meus passos, o frio paralisou-me a alma que se esconde sozinha a ouvir um violino que fala a linguagem do vento, dos rios e que voa em forma de nuvem...

29 janeiro 2005

inexistências do eu

Ah, como gostava de ser invisível, andar por aí, sem me sentirem o Eu e gritar sem me ouvirem.
Ah,
sim,
isto é oração, prece…
Quero tanto ir por aí, indiferente à chuva, aos passos, ao vento, ás palavras que me inventam, nos reflexos dos passos que não dei.
Uma folha é uma folha, uma árvore, uma árvore, uma gaivota ,pinta os azuis, os cinzentos , os verdes, de branco e voa, porque é que o meu caminho, é esta coisa que anda à toa, que me fere e magoa?
Por isso grito, peço, tropeço e voo, cansado dos olhares que me pintam, sem me verem o Eu.
Não é ódio o que sinto, nem rancor, nem indiferença, nem sequer, medo.
É tristeza profunda, abismo negro, fundo, escuro, por sentir este querer intenso, de me tornar insensível e esquecer…

28 janeiro 2005

sementes

A solidão é um estado de não existência, onde o sentir se esconde no lado negro da nossa própria alma e não nos sai do olhar, preso no coração, sem a doce sensação da partilha e do dar...

In “ Apontamentos para um manual da serenidade", ou como se deve agarrar no sentir e pintá-lo com todas as cores e lançá-lo no Universo...

27 janeiro 2005

esquizofrenias coloridas, em jeito de fantasia

Abri a janela (deve ter um significado qualquer, isto de se estar sempre a escrever “janela” quando se sente “Liberdade”), de olhos limpos, com o olhar longe e ali fiquei a ver os verdes a brincar ás escondidas. (talvez a janela, signifique o estado de contemplação…talvez). Corriam de um lado para o outro ( os verdes, é bom não esquecer...), doidos, alegres, livres ( o “doidos” estará deslocado? Excessivo?Julgo que não…). Pintam a terra toda, inteira, até ao horizonte ( cá está o "meu horizonte", que mania tem ele de se interpor entre o meu olhar e a minha fantasia. Será limite? Não acredito. Quando me pinto horizonte sinto, infinito…), só não sei se mergulharam no mar…
Corri com eles, não fossem fugir e brincar para outros lados sem mim. Estou lá ao fundo, a fingir-me de amarelo (será que contagiei as minhas cores com esta esquizofrenia que não me larga o sentir? Não! Apenas me desdobro, disseco, anatomizo o meu Ver e pinto-o…)

26 janeiro 2005

disse-lhe...

Ouvi uns tambores que me gritavam, em choro de agonia.
Olhei-me, só, num deserto de cores, a ouvir, a escutar os gritos-eco, em ritmos-lágrima…
Eram sons do tempo, assustados, que se esconderam de mim e se perderam do meu olhar…
Dorme…descansa, estou aqui…disse-lhe.
Passei-lhe as mãos pelos cabelos de criança e adormecemos no reencontro dos passos que demos, juntos, noutros espaços, noutros tempos.
Dorme…descansa, não te deixarei ..., disse-lhe…

25 janeiro 2005

metamorfose entre fronteiras

Afastei-me, passo após passo, à procura de sombra, para poder ver todos os matizes do dia que se pintou sozinho.
Procuro a distância que o separa do olhar, com a curiosidade de quem procura a descoberta. Prendo-me na nitidez da linha que separa a sombra e as cores que se afirmam orgulhosas de luz, a desafiar o sentir e os sentidos.
Fixo-a sem forma e desequilibro-a, ao mergulhar fundo, no mundo imaginário que borbulha entre um e outro e me transforma em gaivota-flor com pinturas de palhaço-saltimbanco e por ali fico a ser-me…
Estou, o tempo exacto, com o olhar que me calhou na herança-da-descoberta, como pedaço de cauda de lagartixa, separada do corpo em pasmos do existir.
Viagem fugaz, ao mundo que me vive no olhar de menino que se funde com a ténue linha que se contorna de sombra.
Instantes sem memória que se maravilham extasiados, perdidos no tempo, inteiros, no sonho de uma criança que se deixa ir no balão que lhe fugiu para o céu até se transformar em estrela...

23 janeiro 2005

nos caminhos à volta do Um

Todos os caminhos vão dar à Harmonia, mesmo aqueles que atravessam o âmago de um vulcão, desde que nunca se perca o ir e a vontade de a encontrar

In “ Apontamentos para um manual para a serenidade”, ou como devemos estar atentos a todos os sinais que nos atropelam o olhar

22 janeiro 2005

Sem desistir

Não vale a pena mentir,
não me sei no que dou,
na intensidade do que sou…
Não me soletrem o olhar,
não estou!
Não vos peço caminhos,
Não vos peço nada,
Vou!
Só!
Ferido na asa.
Olho,
as vezes que chorei,
a intensidade com que amei,
de mais…
Hoje,
deslizo-me no sangue,
a sentir,
em dor que só eu sei,
sem cais.
Não vale a pena fingir…
Amar?
Só olhando o mar,
que vai e vem,
sem desistir…

21 janeiro 2005

do outro lado do limite

Deixei que o livro se desfolhasse em desnude, folha a folha sem me fixar nas palavras, indiferente à sua História.
Fazia-lhe companhia, sem curiosidade outra do que aquela que me mantinha ali a olhar o livro a dançar-se no tempo…
O tempo escorregou até ao Fim, sem trocarmos uma palavra.
Ele tinha toda a sua história e eu a minha. Ambas se escreviam com todas as palavras que o livro continha.
As palavras todas, cabiam em toda a minha história, mesmo naquela outra que ainda não se desenhou no sentir…
Tenho tão pouco tempo para descobrir uma palavra que não caiba no livro e que sirva inteira na minha história por colorir...

20 janeiro 2005

um dia, por engano

Desci do dia!
Apeei-me!
Lancei corda e deixei-me deslizar, sem pressas.
Chegado ao fim, olhei o cimo, carregado de sorrisos, a contemplar trocista, a passagem do dia que se esfumava indiferente, lá nos altos. Violento.
Depois…larguei a corda.
Desprendi-me.
Leve.
Mergulhei inteiro nas minhas cores, que me olhavam atrevidas a provocar o sonho…
São provocadoras do sonho as minhas cores, não me contam histórias, nem me desenham formas, mas põe-se doidas a bailar no sentir, sem me deixarem outra alternativa que não o sonho, num viver que não cabe nos dias que nasceram sem mim…

18 janeiro 2005

o príncipe

Canhane. Não sei o significado da palavra, sei que é nome de terra de África lá para as margens do rio Limpopo, muito antes de chegar ao Indico. Terras vermelhas, quentes. Terra de gentes de capulanas multicolores. Terra de príncipes, isso digo eu porque a fantasiei assim ao ver uma mulher de joelhos a falar com um homem cheio de rugas e cabelo branco. “Fala com o pai…”, foi a tradução dada à imagem vista.
Eu era menino e imaginei aquele homem, príncipe porque eu não falava com o meu pai de joelhos a olhar o chão. Foi nesse dia que me apaixonei por África. A capulana era de tons azuis fortes, quase céu, a terra já lhe pintei cor, mas o que me entrou pelo sentir foi a diferença. Ali, no meio da savana africana, longe de tudo o que conhecia, existia outro mundo, de príncipes, pensava eu, que era menino.
Canhane, tinha uma cubata no centro, grande e outras mais pequenas ao redor. A apoiar os telhados de capim, erguiam-se varas de pau pintadas ás riscas de várias cores, umas azuis, outras vermelhas, outras talvez verdes ( a recordação é difusa que o tempo entretanto desbotou as cores do sentir), todas separadas por riscas outras, brancas.
Do nada apareceu um pequeno cão que nunca mais me largou, branco, castanho-antílope e uma única ponta preta no fim da cauda, a divertir o olhar e o próprio cão.
Ficámos colados um ao outro. O mesmo princípe que falava com a filha, disse que era meu porque ele me escolhera, dois maços de cigarros e “dois quinhenta” e ele poderia partir para outros mundos com o menino que o não largava.
Só podia ter um nome aquele cão que seguiu o menino que o fitava em terras quentes de África. Canhane, ficou de nome.
Era diferente de todos os cães, era príncipe, não tinha dono, comia lagartos, osgas, camaleões, sapos-de-chuva ( nome nada cientifico, inventado por mim, porque só apareciam depois das chuvas) e pombas que aprendeu a caçar sozinho na cidade grande. À noite esperava sorrateiro o menino que à socapa fugia pela janela, no silêncio da noite para brincar com o seu príncipe. Nas noites que o menino, cansado das correrias do dia não saltava pela janela, uivava a noite toda. Não havia quem o calasse. Era príncipe aquele cão que nos emprestava a companhia.
O Cão não era meu, eu é que era, e ainda hoje o sou, o Zé do Canhane. Era príncipe !
Hoje trinta anos depois tenho outro cão, é o meu cão, é o cão do Zé.
Não é príncipe este cão que se enrosca a pedir afectos e olha tímido para o chão.

17 janeiro 2005

paragem obrigatória

Pára!
Assim tal qual, em qualquer lugar, a qualquer hora.
Pára e sente-te a existir!
As cores, tuas,
do sol ou da terra,
de um beijo ou de um abraço,
do mar ou de uma gaivota,
de uma criança ou de uma flor,
de um rio ou de um anjo,
tocarão uma melodia que só tu ouvirás no silêncio.
O que ouves és tu a segredar-te, a vida...

16 janeiro 2005

dependências

Assomou em jeito de sopro um vento milenário, com um pedaço da minha "verdade de hoje", ainda esboço, mas já com matizes de cor.
Segredou-me assim, em silêncio ...“tu só existes enquanto alguém depender de ti (não vinha com instruções mas depreendi que "alguém", não é necessariamente, pessoa, gente, mas qualquer coisa que é no momento e que está com a nossa imagem em si …).
Até tu quando deixares de depender de ti, abdicarás de existir…
IN
“ Apontamentos para o manual de serenidade”, ou como necessitamos de acarinhar as nossas dependências, para olhar o azul...

14 janeiro 2005

o catálogo

Ofereceram-me um catálogo de cores.
Estavam todas alinhadas, cheias de hierarquias, umas a seguir ás outras, como as formigas.
Estranhas estas cores que se deixam aprisionar num inventário e , pasme-se, oh Deus…dão pelo nome....cada uma, com o seu .
Tristes estas cores…
Resolvi segredar a cada uma delas, uma história, assim, zás, por impulso.

Segredo nosso…

À noite, pela hora do sonho, saímos todos ás escondidas e mergulhamos no mar. Só a lua nos viu. Juntou-se a nós com outras histórias para contar.
Quando voltei, vim sem o catalogo de cores.
Umas ficaram com a lua, outras com o mar...

As outras vem escondias, mas isso é segredo meu, é história que não posso revelar…

(Como diria a minha amiga Seilá, shhhhhhhhiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiuuuuuuuuu....)

13 janeiro 2005

O meu amigo…horizonte

Hoje o horizonte travestiu-se de saltimbanco , escolheu o dia para me fazer equilíbrios malabaristas de circo “vagabundo-navegante ”…
Estou entretido, a imaginar, divertido o que seria se todos vissem assim o horizonte, a brincar com as cores e com os silêncios como só a fantasia sabe desenhar...

12 janeiro 2005

oiço uma flauta-de-pan a cantar sozinha...

Passeio, descalço-de-olhar, a repintar o azul. Respiro as cores e a brisa, sôfrego do ver, do Ser. Passos de desenganos, desenhados, pintados ao amanhecer. Calo-me de palavras. Oiço o que o sentir me (re) escreve , mudo…Almocreve, tocador, cantor, de sonho-surdo...Oiço, o ar, que dança, salpicado de cor. Sopro as nuvens , esgrimo o sentir, sangrado, sagrado, vivo, que emerge do existir. Desenho formas, sem contorno, desmoldadas, novas, minhas, disformes... linhas.
Passeio em voo lento, sem vento nem alento. Atento .
Ah, fora eu um GRITO, e toda esta névoa de mim, fugia sem sentido.
Paro ! Oiço, tudo , até a fantasia de ser esta maresia que me corre na alma-bailarina que me diz, poesia...

11 janeiro 2005

fechada

Fechei uma porta, ladeada de muros altos-de-céu, escuros, visíveis, risíveis de mim.
É porta maciça, sem luz nem chave.
Só as portas que se reabrem tem chave.
Esta, sem cor, ficou ali, só, erguida a um nada que se esfumou sem desenho, nem caminho.
Está. Nem longe nem perto. Ausente, sem tempo nem memória, perdida no sonho de quem se recusa a ir, por ali...

08 janeiro 2005

enganos

Sei um violino que me fala,
diz em segredos onde estou,
murmura, desassossegado, não se cala,
canta-me sozinho,
por fora e por dentro, o que sou...
Sem ventos, nem geada,
oiço-o, sem dança,
nem cor,
tenho os olhos fechados,
para sentir o mais pequeno nada,
do caminho para onde vou,
sem dor.
Toca, o violino, mais a flauta, tudo som.
O sentir, esse ficou distraído a bailar na gaivota que voou…
Musica de um nada,
quase flor alada,
desta vida que me enganou…

06 janeiro 2005

rasgar as palavras...

Há palavras que enganam e tomam a forma de um Mostrengo do tamanho de um sentimento. Espelhos distorcidos com a força de um vento.
Há palavras que mentem, matam, definham, vestem-se sujas, escarradas de dor sem alento.
Vou rasgar cada uma, letra a letra e soltá-las, esquecidas no Tempo

05 janeiro 2005

o meu piano

Escrevi um piano,
negro-branco.
Um piano.
Só os dedos são coloridos,
sombras pintadas,
cor-sangue,
atados,
doloridos,
derretidos,
no piano,
no escuro.
Sopra,
sozinho,
silêncios-muro.
Escrevi um piano,
cigano,
bailarino,
sem palavras,
lento,
negro-branco,
sem banco,
ao engano …
Toca,
o piano,
ao vento,
só,
sem palco, nem encanto.
Chora,
o piano,
hora a hora,
sem tempo,
lágrimas de pó.

Escrevi um piano,
Negro-branco,
Sem dó!

04 janeiro 2005

era uma vez...

Há uma Nau que me espera,
insiste ,
chama,
grita,
quase fera,
só para me levar.
Tem mil cores,
quer que dance,
a Catrineta que quer ir para o Mar.
Não tem história,
nem desamores,
talvez, romance…
talvez…
Sei que é hora,
é minha, a vez
de ir neste barco que navega a Voar.
Só as velas são brancas,
Tudo o resto é Mar…
Era uma vez…

03 janeiro 2005

sentado...

É uma espécie de presença contínua que me olha em brilhos atrevidos, este Teu estar em mim…
Percorres-me os sentidos, sem devorares o Tempo, porque O esqueço, porque O não sei quando toco esse Teu olhar por detrás do Ver.
Não há cor nem sentidos para o pintar ou escrever, é como um desenho de criança, só traços e cor, entre silêncios de um sorriso.
Sento-me…a ouvir-Te e a dizer-me caminhos…

01 janeiro 2005

somas

Um ano é apenas uma soma de instantes, como a vida.
Uns estão na nossa memória outros não.
Bons ou maus são instantes que se transformam em emoções.
A vida, a tua a minha, as nossas, de todos, são somatórios de emoções que se esfumam no tempo.
O importante é não perde-las, nem as boas nem as más, fazem todas parte do nosso UM.

palavras escritas para Seila, por isso sei que não se importa que as rescreva aqui

não uso tempos, nem agendas ou instrumentos outros que meçam pedaços do existir. é jeito meu. por isso passar de um ano para o outro é cousa...