Ele embirrava com a estátua.
Todos os dias ali passava e insultava aquele menir de pedra escura sem expressão nem sentimento nem raios de beleza. Pura e simplesmente não gostava do volume que o incomodava. Era pura antipatia, que o agastava, que o envelhecia, que lhe roubava serenidade sempre que por ali passava, dia a dia , vezes múltiplas e sempre pares. Sentia ser o seu destino, irritar-se com aquela estátua, que não sabia sequer quem era, pois nome não tinha. Nome de artista, pior ainda, não tinha artista, e isso era uma certeza que ele levaria até à morte. Um dia, em que a angustia o tirara de manhã cedo da mordomia dos lençóis, saiu em horas frias e geladas, com tons de nevoeiro, leve no entanto, pois deixava que a luz iluminasse, para além do olhar e permitisse uma tonalidade azul cinzenta de aquecer o coração. Perdeu os passos, diante da estátua e “estatesiou-se” (palavra inexistente é certo, mas o que o narrador pretende transmitir, em dicionário da sua autoria é a imagem de transformar-se em estatua!) ele próprio frente aquele monumento, incapaz de fechar a boca que lhe caía de espanto.
Seria a luz?
Seria a forma?
Que raio seria?
Quem se atrevera a esculpir aquela obra de arte que o comovia que lhe enaltecia os afectos?
Estava confuso, porque tentava recordar-se das formas daquela coisa informe e a memória, não lhe reflectia senão a imagem que se detinha defronte do seu olhar. Não conseguia sair dali e ali ficou até meio da tarde, quando o nevoeiro se despediu, e percebeu que o que tinha mudado era“apenas” o seu olhar.
17 fevereiro 2004
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