31 maio 2004

sou árvore

Pregado no chão,
na terra,
no caminho,
com raízes,
nem chorando nem sorrindo,
sonhando,
escrevo palavras,
livres.
Sou árvore que sonha,
que voa,
que abana,
que é folha,
fruto,
cor,
sombra.
Pregado no chão,
criando,
sentindo,
olhando.
Fragmentos de vida,
sem fuga,
sonhando,
palavras que voam,
que fogem,
sozinhas,
das raízes,
com o vento,
voando,
sentido...S
ou árvore que chora,
sozinha,
que liberta,
que cria,
que pinta, s
ombras suaves,
coloridas.
Pregado no chão,
voo,
escrevo,
sinto,
vou em voo de mim,
por aí,
para ninguém,
nem para mim…

30 maio 2004

à procura do(s) sentido(s)

Papá, Papá, ajuda-me a escolher as palavras para descrever o que sinto?
O que sentes?
Não sei papá, estou Maravilhado!
Que palavras tens? Porque não escolhes uma?
Não sei o significado delas, não sei se cabem no meu sentir. Ajuda-me! Ajuda-me, sim?
Queres começar por onde?
Intensidade!
O que diz o sentir da palavra intensidade Papá?
Diz, profundo, quase limite, mas ainda suportável, sensação forte, qualquer que seja a cor do sentir, e essas tu sabes não sabes?
Não essa não serve, não cabe no meu sentir…,e Suave, Papá suave, o que te diz, a palavra suave?
Bem… diz, ao de leve, ternura, beijo, perfume, brisa, azul-céu-de-manhã-de-primavera, carinho, melodia, violinos de Chopin…
Chega, Papá, já entendi! Não serve, também não serve…Amor, Papá, amor, sabes essa?
Bem, filho, está cada vez mais complicado, amor….vejamos, amor... intenso... suave…
É essa Papá! É essa! Essa cabe no meu sentir, cabe toda Papá. Não é maravilhoso?

29 maio 2004

quando o mar (en)canta

Vem…
Anda…
Não sei se é musica. É chamamento, que percorre o corpo, e se prende nos passos.
Só eu vou, o resto fica. Não sei o que fica, e se o que fica sente. É flauta mágica que encanta e me chama. Só a forma se esquece, quase estátua, sem vida.
Anda…
Vem…
Oiço mar, da praia para onde ia, e vou, não sei se na gaivota, se na onda, se no vento ou na brisa, apenas vou…

27 maio 2004

quando as palavras nos falam baixinho

Não estudo as palavras, gosto de as inventar, de lhes trocar o sentido, (o que não é tarefa de todo própria para quem mergulha em números e tarefas outras, dia a dia, todo o dia.)
Hoje (re)inventei uma palavra, ou melhor, foi ela, a própria, que me segredou, ao emprestar-me o seu sentir, a sua origem, a sua essência, que acalmar, queria dizer:
estar com a alma, estar dentro da alma… (para quem não sabe, que fique desde já a saber, as palavras falam e sentem sozinhas, vivem por elas, só nos emprestam o sentir)
Só me disse isso, a matreira, porque não deu resposta, só sorriso, quando lhe perguntei:
na nossa, ou de outra alma?
Talvez outro dia, mais calmo, ela me diga afinal, qual é a alma que acalma…

poema desenhado


Há poemas que não se escrevem, desenham-se, depois, com sensibilidade, ou ilusão descrevem-se com emoção. Este que vejo, que fixo, que me transforma, é quase paixão. É linha única, de homem, talvez rapaz, que brinca, que joga. A linha é precisa que o desenhador não é qualquer, (por isso quem vê, imagina que o que se joga, não é só brincadeira, é coisas outras, mais profundas, só dele, que sentiu). Dentro da forma, a dar-lhe cor e sorriso, no mesmo corpo, nas mesmas linhas, está mulher, talvez menina. O poema, não está na linha, está na sombra, suave e colorida do abraço da mulher.

Tentativa de descrição do poema desenhado de Mestra Almada - La raqueta Japonesa

26 maio 2004

árvore-laranja

Olhei arvore-laranja, fresca de sombra, pintada de sua cor. Convidou-me, simpática, a levar cores que lhe pesavam. Não gostava ela, sabia-o eu, de ver suas cores pingadas no chão, que este se quer verde , castanho, ou de outra qualquer. Laranja é que não! “Colhe-me, insistiu!”
Fui buscar escada, em passos solenes, que árvore avó merecia respeito, não só pela sombra, não só pelas cores, por ela, que me dava a sorrir sangue dela, em doces coloridos. Uma a uma, guardei as cores que me oferecia, todas diferentes, todas dela, com cuidados muitos, como ela merecia.
“Não sejas tonto, não me colhas assim, que não me vês toda. Dessa escada, mesmo alta, só me tiras cor pouca, e só por fora fico outra, em tons verde-sem-laranja. Sobe-me os ramos, olha-me de dentro, que eu envolvo-te de fresco e de cores, que daqui vês muitas. Só daqui, por mim, de mim, me vês frutos todos, os de dentro, os de fora, e os que chorei para o chão."

25 maio 2004

uma flor chamada Maria...

(titulo emprestado por Mestre Alves Redol, que um dia soube escrever história simples de uma flor, mas essa era história de crianças. Esta é muito mais séria. Tem cor.)

Passou por uma flor. Não sebe se a viu se a sentiu. Estava ali. Deixou-o passar. Mas estava ali, sabia-a ali, era o seu lugar. Não lhe sabia cor. Não a viu (sei-o agora, que escrevi,).
Depois, só depois, roubou-lhe o olhar, a sua cor. Seguiu-o e quis levá-la, levantando-a do chão. Olhou-o triste só com a cor. Queria tanto as cores daquela flor. Só lhe tinha jarra para lhe dar, mas aí só lhe sentia dor. Hesitou passos. Perdeu-se no andar. Ah, se ao menos a flor lhe emprestasse pelo menos o odor…
Mas o que ele queria era mesmo a cor. Era linda aquela cor, da sua flor. Por mais que andasse (não nos vamos a atrever e dizer, por mais que ele fugisse, não vá a flor saber e sentir-se triste), ia sempre ao lugar, onde longe da jarra, ali estava, amor-perfeito (nome que damos àquela flor). Sentou-se, fez-se laço e ali ficou até se transformar em flor (contam os antigos, que àquele sitio, por causa da cor, lhe deram nome de Vale Flor…)

21 maio 2004

fim do desenho do ver

Este espaço chegou ao fim.
Não é morte, é fim, como as histórias.
O fim não se desenha, nunca vi quadro ou cor com fim.
Tentei desenhar uma história, sem quadro mas com cor e senti-la.Senti-a.Coloquei-lhe um ponto, o meu ponto. Não conheço pontos finais.
Este é só um ponto, com fim.
Mas, mesmo antes do ponto, desenho um beijo para a mana, que sem querer, criou este espaço.
Nasceu de um impulso, numa carta-resposta, para ti.
Depois vieram memórias, depois o desenho e o sentir.Das memórias ficaram as nossas fugas de meninos, por entre, e por dentro do “mato” de Angola, por onde caminhávamos como se fossemos para a escola, DESCOBRIR.Íamos sem saber perigo (Se criança não o sabe, é porque não existe). Não sei se era eu que te puxava a mão, ou se me deixava ir, não recordo, sei que foi aí que me nasceram os olhos e o sentir…
Foi assim que nasceu este espaço, Ana Maria…
Fim…
(Porque com três pontos se sente um poema)

espero, chuva de palavras, que não vêem

Espero, não sei se palavras. Simplesmente não sei, mas espero. Sinto-me pescador que olha, o mar, o céu e se funde no ar, em espera. Não é hora, pensa, (talvez), e o que era só olhar, foi-se transformando em sentir. Mais que sentidos, porque o corpo acelera compassos, ritmos já esquecidos. Aguardo palavras. Sentença. Sem juiz, porque o não há. Os minutos, são lentos, são horas. Que coisa estranha o dia. Afinal, ele brinca, ele baralha. Espero palavras. Perdi-me no tempo, no sentir, nesta interminável espera. Fiquei preso em cores já esquecidas. Estou bem. Até as palavras esperam. Estão presas no tempo. Oiço o Mar, está calmo, também ele espera, gaivotas, (talvez).
O sentido das palavras mudou. Estranho a incerteza, mas sinto-me confusamente, bem. Serenidade? Não sei! Espero palavras que não vem. Andam por certo por aí a voar. Ficaram ao colo? De quem? Não é angústia, é calma, já disse, é Mar que se espreguiça, não esqueçam. Vai e vem. Limpa passos de areia. Passos perdidos? Não sei, perdi-me de pensamentos. Só sinto. Espero.
Nem as palavras vêem, por isso as repito. São as que tenho. Afinal, espero chuva, de palavras.
Dava jeito.
Abraços também…

20 maio 2004

o meu dia

O dia entrou violento,
mal educado.
Entrou furacão,
feito paixão,
em atropelo,
incontido,
mutação.
Feriu-me em luz ,l
acerou me o sentir,
o entendimento,
a razão,sem mentir.
Olhei-o!
Fitei-o,
mas continuou galope crina em vaga-turbilhão.
Todo ele era nuvem ao vento,
onda,
explosão.
Parei,
invisualizei-me,
ausência do sentir,
mas ele gritou,
abanou,
empurrou,
parecia multidão.
Pára!
Quase gritei!
Implorei, quase oração.
Quis fugir-lhe,
mas disse, Não!
Respirei-te o ar,
Olhei-te fundo,
quase mar,
peguei-te mão e disse-te,
devagar,
dá-te tempo,
aprende a dançar,
não te finjas tempestade,
amanhã és outro,
inteiro,
gente,
cidade.
Por mais que corras,
por mais que grites,s
ó te tens Tempo.
Não te faças morto.
Já pensaste?Olhar para ti
e ter-te,
grande,
inesquecível?
Já imaginaste,
sentir-te?
Seres história contada a netos que vão ser Avós?
Basta seres sensível,
único,
inconfundivelmente ÚNICO,
mágico,
mistério,
voz!
DESCOBERTA!
Deixa me descobrir-te ,
sentir-te,
pintar-te,
para seres o Meu dia,
a minha fantasia,
suave,
terno,
quente
meta,
sem me sentir ausente,
e ser ave,
sol-poente...

Recados de um dia que não se deixou atropelar, por quem o não via...

"Tu é que te iludiste que eu tinha mais tempo para te dar, tu é que me atropelaste e me cegaste em cor. Se há coisa que não posso fazer é inventar-me para ti. Sou sempre o mesmo, tu é que me passeias a fugir-te.
Pára tu, para me veres.
Eu não corro, não o sei, estou preso em mim, cada segundo morro, cada segundo vivo, estou preso, em grades do olhar e da fantasia de cada um que me toma como seu.
Só me liberto porque cada um me usa, me consome de maneiras várias.
Sou sombra e luz em cada um que me corre. Sou aquilo que não tens, não sou Ser, mas vivo, vivo-te enquanto tu me corres em olhares multicolores.
Por tudo isso, aprende-me, que eu sou flor que só dura um dia. Vive-me, porque amanhã é outro dia."


E ele , sem pedir licença ( eu bem disse que ele era mal educado) tornou-se ÚNICO, e não coube em mim. Fiquei cheio de silêncios e sentimentos vários, a sorrirem-me criança, todos só para mim…

18 maio 2004

sem artefactos

Não se diz:
Vou peregrinar…
Peregrina-se!

In “apontamentos para um manual da serenidade, assim sem mais nada, sem artefactos, porque o assunto é sério”

as rosas de uma flor

Não gosto de pintar flores, porque lhes não sei cor. Quando as desenho ou pinto, escondo-as em reflexos, em sombras, não vão elas zangar-se por lhes ter roubado as cores. Pintar uma flor é como que levantá-la do chão, morrem lágrima. Incolor, mesmo sendo lágrima de uma flor…
As flores que pinto, não existem, são só imaginação.

17 maio 2004

(des)encontro

Pediram-lhe um sorriso, não o conseguiu. Guardou-o para a sua hora, naquele dia, em forma de história.
Conta, encontros e desencontros de coisas simples, de um pastor e de um menino. Um guardava rebanho, o outro, sonhos enquanto corria. Cruzavam-se dia após dia, a horas várias, mas sempre no mesmo caminho, junto a águas que os acompanhava em melodias, que cada um ouvia conforme sentia.
Quando se transformavam em encontro, Pastor, rebanho e menino, este, educado, abrandava o passo que corria e perguntava, “Posso? Bom dia! “
Não esperava resposta, que sempre havia, quase eco pois só ouvia “dia”. O facto é que ou por o sentir ovelha, ou por outra coisa ainda, o rebanho não fugia, só se afastava para deixar passar quem ia.
Foi assim, dia seguido de dia, o Pastor sempre o mesmo, o rebanho esse, não sabia, porque nessas coisas de ovelhas era ignorante o menino.
Houve porém vez em que se deu o desencontro, ou o menino, o já não era, ou o peso dos seus passos eram outros, ou simplesmente o Pastor não ouvia o Rio, o certo, é que ainda hoje não se sabe o porquê do que se passou. A verdade é que quando depois do “Bom dia”, se cruzaram, pastor, menino (que quase entendemos o já não era) e ovelhas, estas por aí foram a correr, a balir e a sinar ( palavra estranha, inventada por certo, o narrador desgostou de juntar balir a badalar, mas que se ouve sino pequenino e assustado), em passo apressado de fugida. O Pastor em voz fúria disse, “Este caminho é de cabra, não é para correr! Neste caminho ando eu”. ( não, não era eco não senhor, era voz trovão de pastor). O menino (já que começamos a chamar-lhe assim, não custa nada manter a ilusão, que por dentro ainda o há, e que por fora ainda se sente, o que de resto nem é importante para a história), continuou, sem medo, porque o não tinha, mas preocupado, porque afinal, aquele seu caminho, era de outro, era do pastor, que o Vivia.
No outro dia, pois lá estava, que era respeitoso o menino, mas não medroso, lá foi correr junto ao seu rio, quando avistou de longe o Pastor e o rebanho que o seguia, desviou-se para verdes mais em baixo, e quando lhe viu olhos, acenou-lhe e disse “Bom dia”.
O pastor levantou cajado em aceno vistoso e alegre e sem ser em eco difuso largou um sorriso corrido de um “ Bem-haja, menino, tenha um Bom Dia”.
Sentiu-se bem o menino, por lhe ver nos olhos tanta alegria, no Pastor que afinal, só naquele dia o vira.
Conclusão, não há, a não ser que ao lê-la, tenha sorrido. O narrador, esse, teve-o sempre consigo, enquanto escrevia, pois foi isso que se lhe pedia. Um sorriso.
Mas o menino, esse cresceu naquele dia, pois aprendeu que por vezes, é necessário afastar-se para não haver desencontro e que nem sempre o estar perto, mesmo dando bom dia, provoca encontro, ou alegria...

em lado nenhum...

Há dias estranhos em que nos deixamos morrer no vazio das palavras. Não encontramos sentido, nem cores, nem sentir. Estamos ausentes, em lado nenhum, nem dentro nem fora. Será cansaço da Vida? Cegueira? Loucura? Ou simplesmente morremos aos soluços, como marioneta que anda aos saltinhos?

16 maio 2004

sem sentido unico e nunca obrigatório

“Temos a tendência para colocarmos a Verdade bem lá no fundo do nosso Sentir. Quando a vemos, colocamos-lhe olhares interrogativos e transformamo-la em pensamento profundo, com sentires de propriedade e sentido único… “

In “apontamentos para um manual da serenidade, ou a forma de ensinar que basta retirar o peso que lhe colocamos, para ela (verdade), suavemente emergir, e flutuar na vida sempre perto do nosso olhar. Mas cuidado, não lhe retires o lastro, todo de vez só, retira-o em tempo certo e cuidados muitos, não vá ela emergir vulcão e saltar à tua frente e em vez de flutuar voa-te para outros rios e ficas a olhá-la longe, como às cegonhas, que estão lá no alto, a rir-se de nós com o seu voar quase sem sombra…"

14 maio 2004

quando andamos a passear um sorriso, esquisito, sem jeito...

Andei dia todo, com um poema no peito,
não tinha forma, nem rima,
não tinha jeito,
não cabia em palavra,
era,
perfeito…

calaivos!

Cientistas de todo o mundo,
calai-vos!
Biólogos,
Médicos,
Físicos,
Genéticos,
Róboticos,
Engenheiros,
Filósofos,
Sábios,
E outros que tais,
Relinchem bestas!
Sebentas,mortais!
Parem de mentir,
de ser banais!
Porque não dizem o simples!
Porque não ensinam
que Morrer, é deixar de Sentir!

Parem, não digam nada!
Não façam nada,
recolham a vossas casa,
aos Hospitais
Não vos vou ouvir,
JAMAIS!
Vou,vou gritar!
Vou por aí, de porta a porta,
até deixar de sentir,
até deixar de sonhar,
não importa,
vou, dizer, nem que seja a cantar:Deixem os poetas falar…

visita

Mestre, fui visitar-te!
Estavas pendurado, ainda sonho, quase Homem-menino em paredes pintadas a electrico-lisboa.
Foi encontro estranho, porque o foi, o sentir e o ver-te evoluir, em desenho, em movimento, sozinho, todo ao mesmo tempo…
(Os traços estavam lá todos, depois , ah depois, andaste a bricar com os olhos e foste crescendo, até...começar...)

(Retratos do sentir na visita à exposição de Mestra Almada Negreiros “ El Alma de Almada el impar: obra gráfica 1926-1931" no Palácio das Galveias em Lisboa.)

13 maio 2004

a aventura de um cágado

Não era vez nenhuma.
Não o era,
porque não só uma,
mas muitase porque não história.
Era assunto sério, que se conta com gravidade, austero e olhos de criança. Não tem fadas, nem fábula, mesmo que contada por animais.
Vez era, portanto,
que cágado pachorrento, todos os dias-noite-lua, se espreguiçava e descia a rua, (Não havia necessidade nenhuma de rima. Deixa-te de fragilidades emocionais e conta lá a tua história, que somos todos olhos, mas pouco Tempo), (Logo vi que ia ter problemas. Qual é o mal de pôr uma rua, descida por um cágado, que só rima por mero acaso. Ele descia a rua e ponto final, pelo menos no que diz respeito à rima, que isto não é verso nem história). Não ia beber-se de água, que essa tinha de perto, ia olhar a luz que de noite se escondia dos candeeiros e os transformava em reflexos, já que ela, a própria tinha luz emprestada (convém recordar os distraídos, que o cenário é de noite-lua). Naqueles dias-noite em que ele se emprestava ao sentir, era para, em sossego olhar a sua flor. Ela crescia junto à calçada entre pedras unas, nua. Também ela se espreguiçava em cor, em noites sem nuvem. Ali ficavam os dois, cágado-feio-enrugado e flor-sem-nome de amarelos-lua, toda a noite a olhar-se, a amar-se em silêncios, com ternura.
(Mas a história? Conta lá a história!)
Não é história coisa nenhuma, disse já que é coisa séria, é só ternura, e essa não cabe em história, nem em coisa nenhuma, é AVENTURA!

12 maio 2004

conta-me uma história

Papá! Papá, ensina-me a amar, que eu não percebi nada do que me ensinaste!
Eu não te ensinei, não se ensina a amar. Também não te ensinei a ter sede pois não?
Mas eu não entendo!
Diz-me papá, porque é que as pessoas guardam todo o amor que tem dentro de si e só o dão aos bocadinhos. Eu quando tenho sede bebo o copo de água todo de uma vez, quando amo, dou-o todo e só assim fico satisfeito. Só o dando todo ele volta a nascer em mim…
Diz-me papá porque se incomodam tanto as pessoas de receberem quantidades enormes de amor e não sabem o que fazer com ele? Porque se aborrecem com quem lhes dá todo o amor que têm e dão tanta atenção a quem só o dá aos poucos, ou com quem lhe oferece sorrisos cínicos?
Porque têm todos tanto medo de se darem, porque se riem tanto de quem se entrega?
Tenho tanto medo de andar enganado…
Diz-me!
Conta-me uma história como só tu sabes contar!
Conta-me…

apontamentos de um ilusionista

“Estás demasiado perto para veres!
Portanto, afasta-te!
Estás certamente longe para sentires!
Portanto, estás com um enorme problema para resolveres…”

Inapontamentos para o manual da serenidade, ou como se chega à conclusão que há um ponto em cada instante que é mágico

11 maio 2004

simplesmente

Desenho-te, sem palavras, nem sons, nem perguntas, nem porquês.
Nasces bailado de cores em gestos que se entrelaçam,
que só tu ouves,
só tu vês…
Sentada,
olhas-te,
a voar,
a sentir,
a rezar.
Falas,
contigo,
com ninguém,c
omigo,
além…
Imaginas-te desenho,
sem traço,
só cor, (que desenho não cabe em abraço, em amor.)
Irrequieta,
erguida,
decidida,
és imagem múltipla,
que ora,
facetada,
dividida...
Já não consigo desenho,
fugiu,
não chora.
Ausente,
saltita, borboleta-flor,
enternecida.
Pinto mulher,
multicolor,
cristalina,
Pinto-te,
simplesmente,
Maria…

10 maio 2004

esquecimento

O dia olhou-me com reticências, medos vários, passos lentos, indecisos. Não sei se o assustei, mas ele lá entendeu que o ia virar do avesso, esticá-lo, cansá-lo sem tréguas nem compaixão.
Brinquei-lhe o tempo,
perdeu-se no espaço
e ouviu-me rir em sons de plateia-criança encantada com os palhaços.
Isto de nos esquecermos do dia tem que se lhe diga,
porque afinal, nem me Vi…

08 maio 2004

teoria da descontinuidade

Explica melhor, por favor!
Supliquei, todo sentidos, debruçado em atenção.
Caramba, caro senhor, já não sei como lhe explicar coisa tão simples, então não entende que há os Partidos de dentro, (os de direita, do centro da esquerda, das extremas), e os de fora? Os de dentro ainda não deram o pulo, e continuam todos a olhar para o dentro, e ainda não perceberam que já não há mais nada que experimentar se quiserem evoluir, se não quiserem estagnar. É como os números!
Como os números? Pergunto esbugalhado de curiosidade.
Sim, caro senhor, entre os números um e dois há uma infinidade de outros, basta por uma virgula e já vê o quanto se torna impossível passar do um para o dois, sem se dar um salto para fora. A continuidade só existe no tempo, não na evolução. Para evoluirmos temos que andar sempre a saltar de limite em limite, de descontinuidade em descontinuidade. Assim é também com a sociedade e com a forma de politicar. Eu, caro senhor, sou o arauto do partido de fora, não há cá votos em branco, não senhor. Há o partido de fora, e quando os de dentro passarem para os de fora, cá estou eu para saltar outra vez, é o meu contributo para a sociedade.
Fiquei a olhar para o arrumador de carros, que de olhar no longe me estendia a mão, para uma moeda. Olhei-o fundo, na sujidade que o cobria, nas rugas que o feriam, gravadas do frio e da indiferença. Não havia dúvida possível, tinha ganho um adepto, dei-lhe a mão, não moeda, e saltei de pés juntos, para fora.

07 maio 2004

pinta azul!

Pinta azul!
Ouviu,num quase perto, que lhe soou longe. Não entendeu.
Sabia,quase certo,o que era azul, (logo ele que tinha tanto mar e tanto céu no olhar).
O espanto que o incomodou,
quase susto,
quase duvida,
foi o imperativo para O pintar,
quando ele só tinha violetas-amarelo-em-tons-de-brisa,
no ver e no sentir .
Tentou, mesmo assim, imaginar, tons de azuis-estrela, mas não havia duvida, era o violeta-em-tons-de-saudade
quase castanhos-rosa-aguarela,
oferecidos em forma de beijo que o Vivia e que lhe voava na alma,
sem desenho,
sem sombras,
só cor que lhe deslizava o Dia.

06 maio 2004

lágrimas de uma árvore triste que me dava bom dia…

Encoberta de névoa que te esbatia as cores, fingiste-me sorriso. Olhei-o lágrima, vermelho-Outono, em folha que caía. Perguntei-te porque me fingias cores em tempo de verdes-criança. Ofereceste-me lágrima, outra, em amarelos-escuros-que-não-gostavam-de-castanhos. Vi que choravas e que não era névoa que te encobria, mas a indiferença de quem por ti passava e não te via...

05 maio 2004

a revolta

Os caminhos revoltaram-se nocturnos, em serpentear raivoso, com cabeças várias e em sons de mar vermelho, em tempestade incontida no sonho.
Agarrei Caravela sem velas e fui, qual cavaleiro montado em cavalo livre. Olhei a Fúria, do cimo de uma onda do meu caminho revoltado e perguntei-lhe:
Que me queres, se sabes que não me assustas?
Que me vejas, que me sintas e que não andes por aí a olhar para todo o lado, menos para onde pões os passos, em mim!
Estás enganado, fúria raivosa, se não te olho, é porque confio. Não entendes que o meu olhar para ti é o meu acreditar?
Eu sei, mas sinto tanto a tua falta…
Sabes melhor do que eu, que os passos que me levam em ti, são a razão da tua e da minha existência, tu e eu somos o mesmo, e existímo-nos em simultâneo, por isso pára com essa revolta sem sentido, não és, e não sou mais do que caminho por percorrer…
Tu és os meus passos, não te empertigues e não queiras ser mais do que isso, portanto acalma-te, porque sabes que nada me irá deter, nada me fará parar. Se fizeres o favor, sai do meu sonho, sai do meu dormir e deixa-me descansar, porque amanhã tenho cores novas para te pintar…

04 maio 2004

ilusões

"Procura a melhor forma de resistires à tentação de veres apenas com os teus olhos, para não caíres na ilusão de te sentires feliz em vez de o seres…"

In “ apontamentos para o manual da serenidade, ou como se pretende demonstrar que para a atingir, é obrigatório estar atento…"

03 maio 2004

teorias

“Só quando do somatório de todas as parcelas, resultar o UM, podes ambicionar olhar o infinitamente grande.”

In “ apontamentos para o manual da serenidade, ou como se pretende demonstrar que para a atingir é necessário o desassossego”

Resultado da leitura dos ditos apontamentos por um matemático em noite de insónia

Somatório de n igual a infinito
Infinito igual a UM
Logo, somatório de n igual a UM
Donde, um, a dividir por infinito igual a UM

(A diferença é abismal enquanto que com a teoria corrente, o infinitamente grande reduz a zero qualquer que seja o numero que tem o azar de ser dividido, na teoria da serenidade, que agora se demonstra, o infinitamente grande, iguala-se a qualquer numero, e transforma-se nele, independentemente do seu tamanho,porque o não divide)

Prova:
A divisão do infinito por qualquer número é sempre infinita.
O UNO (um) é indivisível (já dizia o Mestre).

Conclusão:
Estou doido!

Nota: A todos os matemáticos e cientistas, por nos terem andado a enganar, informa-se que a formula, e a teoria (teoria da serenidade) agora tornada publica, se encontra registada e patenteada pelo autor.Se ensinada, transmitida, ou vivida com o Sentir, está dispensada de qualquer taxa ou emolumento.

02 maio 2004

esboço de um retrato

Nunca se deitou antes do silêncio e verificar o descanso de todos que pernoitavam debaixo do seu tecto. Inquieta, ansiosa, depois de tudo, depois de todos, ali ficava noite dentro, a debater-se com o sono e com os seus sonhos. Só a noite era dela.
Entrava no quarto, noite dentro, de mansinho, para não afugentar, sono difícil, e cuidadosamente, recolocava a almofada, do menino adormecido, e lá saía, devagarinho, inventando caminhos àquele que dormia.
Não sei se é retrato de Mãe. É da minha…

01 maio 2004

o passeio de um duas-patas-com-memória

Olá!
Oiço em eco, como quem anda distraído, e continuo sem interrogação, o caminho que me levam os passos, naquela pequena mata, coberta de trevos e pintas amarelas...
Olá, estou aqui! Não me ouves?
Senti interrogação no eco, e fiquei em semi-alerta, mas não suficientemente curioso, para me desviar da minha própria ausência.
Eh! Tu aí, bom dia!
Não! Era demais, já não era eco, alguém estava de facto a entrar-me pelos sentidos, e queria-me. Parei em escuta.
Estou aqui! Senta-te no chão! Sei que gostas de te sentar no chão!
Olhei, rodando-me, pois via-me sozinho, naqueles verdes, que dançavam leves.
Aqui em baixo. Senta-te, já disse. Olha, lá ó coisa, disse meio zangado, se é que se pode estar zangado numa pequena mata, cheia de verdes-novos, aliás, como sabes que gosto de me sentar no chão?
O rapaz está doido! Ouve lá ó tu que tens mania que só tu te vês, não percebes, que não sou eu que te falo, mas que é a tua memória que me escuta?
Era demais. Depois de uma semana de tormentos, ter que aturar delírios, era um abuso da natureza. Baixei-me e teimoso, não me sentei no chão, mas vi uma delgada flor amarela-azeda , que me fitava atrevida. Deitei-me no chão, em posição de criança que contempla. Barriga no húmido da mata, cabeça apoiada nas mãos , cotovelos pregados e pernas levantadas a fingir que andam no ar. Na verdade gosto de me sentar no chão, Deitado de costas também é bom, lembra-me passeio em que descobri o céu, de mão dada com o meu pai, um dia, numa noite escura de verão, numa clareira de um pinhal, perto da cidade grande...
Eh!, estás parvo ou quê, então?, eh, estou aqui!
Ouve lá ó azeda, que me queres? Porque me vens a chamar desde que aqui entrei a passear-me? Aliás como é que estás aqui, se eu te ouvi lá no outro fundo, e não neste?
És mesmo um duas-patas-com-memória!. Não vês que nós somos todas um. Só vocês com a vossa memória é que tem a mania de serem únicos. Se nós todas , não fossemos só um, como seríamos tapete amarelo que pinta esta clareira de verdes trevo, que tanto gostas de olhar? Ou não te lembras o quanto gostavas de sentir o nosso azedo pendurado em amarelo?
Calma aí, menina-flor-azeda, aos anos que não me azedo em amarelos!
Lá estas tu! Já te disse que somos todas um e sempre a mesma, hoje , ontem e por aí fora. Somos semente, que pinta os vales. A azeda que te refrescava em arrepios, em menino, era eu.
Mentirosa! Aldrabona!Refilei, pouco convicto. Aquela outra ali, não és tu!, o amarelo dela é mais claro, mais azedo que o teu!
Não percebes, ou não queres perceber, ó duas-patas! Enquanto não entenderes que eu sou muito mais do que a cor que vês quando me fixas no olhar, nunca perceberás que o meu amarelo-azedo, não sou eu, mas sim todos os outros, mais os verdes que nos nascem em moldura.
Escusas de te sentar no chão a julgar-te criança, e fingir-te poeta! Vai! Continua os teus passos e entretém-te com o Eu e não te oiças no eco do teu olhar. Vai!
Levantei-me e fui cabisbaixo, sem reacção, atordoado. Primeiro lento, mais apressado depois, meio ausente no final.
Volta, volta amanhã, volta quando quiseres, oiço o eco em cores amarelas a imitar as estrelas que em menino vi de mão dada com o meu pai, numa mata perto da cidade grande...

não uso tempos, nem agendas ou instrumentos outros que meçam pedaços do existir. é jeito meu. por isso passar de um ano para o outro é cousa...