Bateram à porta.
Abri. Era um miúdo com a cara suja, manchada de lágrimas secas.
- Anda comigo - disse o menino.
Levei a mão ao bolso e dei-lhe uma moeda.
O menino olhou-me angustiado.
- Anda, vem comigo! - repetiu.
Fechei-lhe a porta. Senti-me mal. A angústia dos seus olhos entrou no meu corpo.
Fui fazer um café, comi pão e fiquei mal disposto.
Devia ter ido com ele!
O que seria que ele me queria?
Tinha ar de quem se perdeu.
Estava tão aflito.
E eu, armado em burguês estúpido, dei-lhe uma moeda, para que ele se afastasse e deixasse de me incomodar. O que é certo é que ele se foi embora e deixou-me vazio e indisposto.
Senti-me a lágrima seca do mendigo.
Reabri a porta! A rua estava deserta, nem um cão, nem um carro, nem o menino, apenas rua sem fim.
Apeteceu-me outro pão. Fui comer. Senti-me ainda pior.
Deitei-me, liguei o rádio …” quem vir um rapaz de cabelo preto, olhos castanhos, calções vermelhos e camisa azul, é favor contactar para o número de telefone 33544678. O rapaz é perigoso, tendo fugido há dez anos de casa de seus pais. Dado que só agora comunicaram o seu desaparecimento é possível que já não vista as mesmas roupas…”
Desliguei o rádio e saltei da cama.
Fui à janela, desci as escadas e abri a porta. Nada!
Sim, era ele!
Sim, tinha os calções vermelhos!
Sim, a camisa azul!~~Mas o rapaz não pode ser o mesmo que me bateu à porta! Aquele que me entrou nos olhos não devia ter mais do que dez anos.
No entanto…curiosa coincidência, tinha os calções vermelhos, cabelo preto e olhos sujos.
Sim, não lhe vi os olhos!
Só lhe vi as lágrimas, e as lágrimas eram castanhas!
Tentei telefonar para o número indicado mas ninguém atendeu!
Saí de casa e fui por aí à procura do menino!
A rua continuava deserta. Era meio-dia e a luz estava cor de pôr-do-sol, e já se notava a Lua.
Teria adormecido?
Teria sonhado?
Estava a ficar louco!!
Olhei o relógio da igreja. Meio-dia e um quarto!Voltei para casa. Tive medo de andar na rua. Não podia deixar de ter medo de andar na rua ao meio dia com uma luz de pôr-do-sol!Quando era pequeno, punha-me a pintar com cores do por do sol. Sentava-me na secretária e entrava no mundo dos “ Raios-do-pôr-do-sol” e punha-me a desenhar mundos, espaços e cores. Mas estava sentado e era eu que comandava o sonho, o desenho e as imagens. Agora era diferente. Agora tinha aberto a porta e tive medo de andar nos meus sonhos de menino!
Voltei a abrir a porta.
Estava um lindo sol de meio dia, e as pessoas andavam apressadas como quem quer chegar rápido a casa para tomar um refresco de Verão e almoçar!
Devo de facto ter adormecido!
O melhor é mesmo ir tomar um bom banho para refrescar a cabeça.
Maldito miúdo.
29 julho 2003
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