09 novembro 2003

quando não estamos prontos para nos desnudarmos

“Qual é a sua opinião?”
Atordoado, com a interiorização da pergunta, apenas se conseguiu questionar. “ Que raio de interrogatório é este?” Foi o que lhe veio à imagem, porque as palavras estilhaçaram-se sem sentido. “ A minha opinião?”, “ Mas para que querem a minha opinião?” Ficou incomodado, remexeu-se frenético na cadeira e zangou-se com o cachimbo (fiel companheiro) que inoportunamente resolvera apagar-se.
Não sabe ao certo quanto tempo se ausentou entre a pergunta e a resposta que não tinha.
Levara a vida inteira a gerir consensos e opiniões alheias e agora, inesperadamente queriam apoderar-se dos seus pensamentos, a ele que os guardava ciosamente como tesouros?
Não, não estava preparado para se desnudar!
Reacendeu o cachimbo, encolhido na palma da mão, interiorizou o aroma e expeliu lentamente os pensamentos em fumo azul cinzento. Ali estava a sua opinião, materializada em nuvem. Se a quisessem de facto, voltariam a perguntar ou juntavam as palavras que lentamente se eclipsavam na atmosfera densa daquela sala recheada de executivos e de decisores dos destinos de ninguém.
Quando fixou os olhos nos olhares, sentiu o silêncio da espera,”querem ver que a querem mesmo?”, pensou. Sentiu-se encurralado, endireitou os papeis desalinhados e fez ouvir o bater das folhas na mesa infinda e recolocou-os, direitos e perfilados. Estava terrivelmente cansado.
Sabia que dissesse o que dissesse, a discussão continuaria no mesmo diálogo de surdos, porque cada um continuava a ouvir se a si próprio. Tinha sido sempre assim durante toda a sua vida, e hoje não seria diferente. Era esse o seu grande segredo, porque geralmente, era o único que ouvia, media, ponderava e decidia, longe do barulho, sossegado com o seu fiel companheiro de reflexões.Voltou a reacender o cachimbo, “ Até este hoje embirra comigo!”, pensou. Pausadamente, solenemente, disse – “o gato pintou-se às riscas azuis!”.
Como esperava, o gorgolejo opinativo continuou, terminando horas depois, quando todos, cansados de se ouvirem a eles próprios, acordaram data de nova sessão…

Sem comentários:

não uso tempos, nem agendas ou instrumentos outros que meçam pedaços do existir. é jeito meu. por isso passar de um ano para o outro é cousa...