29 outubro 2004

no país onde há folhas que insistem em ser verdes, mesmo no outono

Sento-me no olhar.
À espera de um nada.
Transformo os sons que me envolvem o dia, em cores com odores de canela.
Pinto o vento e a chuva.
Parado no tempo, sem espaço, num ponto do Universo.
Hoje sou sombra-de-colibri, personagem de uma história de fantasia, num mundo onde a luz e as cores nos falam a sorrir, escondido debaixo de uma folha que insiste em ser verde, maravilhado com o sentir.

28 outubro 2004

borboleta

Trago-te esvoaçada,
irrequieta,
a voar em mim.
Borboleta-leque, alada,
em traços branco-rubro-jasmim.
Círculos que se dançam e me tocam em cores de giz,
cantas em vento, um segredo
que me diz,
“sou borboleta-flor, vem, não tenhas medo,
estou aqui”…

27 outubro 2004

cores silvestres

Agarrei em três cores do campo, silvestres, e espalhei-as no olhar, violeta-amora, azul-papiro e amarelo-sol, desenhei um circo, sem vermelhos, sem palhaços, sem sombras. Era a equilibrista que me fascinava o desenho e que se movimentava sozinha nas cores. Estendia-me as mãos, em abraço colorido a assobiar sussurros em ventos leves “vem, vem”…
Não fui, mas pintei…

26 outubro 2004

boneca de porcelana

Descido em terras outras, de sentidos vários, únicos, desenho sonho de amêndoas doces.
Pinto, leve, na alma, os olhos. Dela. Flor de lótus.
No ar, ao vento, na brisa, os cabelos. Negros de china com tintas e pincel de olhares.
Boneca de porcelana em dança com o Universo, no chão, na terra, no tapete-verde-bambu, longínqua, em mim.
Dança de branco, de negro, linda, distante, desenhando na alma movimentos de brisa, de bambu, verde-oriente, sozinha, com corpo de setim.
Desenho-te, os olhos-de-amendoas-doces em movimentos de vida, que me saltam do papel-arroz e voam...

25 outubro 2004

Fusões em tons verdes-de-serenidade-quase-pura

Abraçaram-me as árvores.
Todas,
em silêncios-de-jardim.
Contaram-me histórias de ventos com sombras verdes,
numa chuva de sons, só para mim.
Quase árvore,
quase vento,
desapareci,
em TI

21 outubro 2004

caçador

levei os passos por aí, sem procura. livre. de mim.
escondido. caçador de intrusos, coberto por um canavial entre os verdes e o húmido dos cinzentos, uns olhos. sujos. de lama. camuflados. de um menino. Cigano. a Ver por onde iam os meus passos. livres. sujos. de lama. camuflados. de mim.

20 outubro 2004

reflexos de uma reflexão sem sentido…

Os sonhos têm uma sonoridade muito própria que nos confunde o ir.
Há um encantamento do que somos, numa fantasia permitida que nos constrói o instante com a realidade que nos vive no EU.
Continuo o a gravar os passos com pegadas vagabundas, num deserto com perfumes de mar-de-madrugadas e no entanto aqui estou,
difuso,
confuso,
nos números, enfeitado de autómato, fazedor de muros, de ruas, de cidade, de sonhos outros, de outros e meus.
Continuo, louco (digo-me em consciência, em repetidos alertas, não vá alguém não ouvir-me), pois não Me sou senão no sonho e na cor.
Os sonhos (os meus, que não tenho fantasia cientifica para outros. Assim não fosse e seria um louco, esquizofrénico) são uma espécie de passos corroídos que só alcançam o sentir com as asas. Talvez por isso me sinta gaivota, Vagabunda, porque não sabe o Norte.
Hoje sentei-me em cima do sonho para o não deixar fugir. Prendi-o no desenho, numa delicada Rosa-dos-Ventos, cheia de coloridos, direcções e sentidos, mas o malandro voltou a escapulir-se pelos olhos num voar de arrepiar a emoção.
Um dia destes ainda o agarro…

19 outubro 2004

um dia alfaiate com olhos de mostrengo

O dia parou de repente (naquela precisa hora, naquele instante em que nos distraímos do existir) e debruçou-se, inteiro diante mim. Tinha olhos gigantes, cheio de “interrogares”.
Fingi-me formiga-caracol, em silêncios de respirar…
Mas era teimoso este dia.
Agarrou-me, louco, zangado, autoritário,determinado e vestiu-me com todas as cores do Eu que tinha escolhido para mim .
Com o mesmo repente, desamarrou-me no tempo.
Fui, sem perguntas, pelas ruas que ele pintou para mim, recheado de "decidires"

18 outubro 2004

porto de abrigo

Hoje estou sem horizontes, sem azuis nem mar.
Caiu em mim uma tempestade inquieta, cheia de ventos e folhas a voar. Sinto o frio de um vazio que me envolveu a alma. O desenho parou. A bailarina chorou sem movimento. O marinheiro-gaivota-saltimbanco-vagabundo, olhou os negros-cinza, em sentires de recuar e virou-se para o céu em conversas íntimas, cheias de acreditares.
Hoje perdi o mar e os azuis.
Sou todo navegar, sem destino, abraçado na tempestade, à procura de um porto de abrigo…

17 outubro 2004

só no sonho o tempo pára...

O céu parou junto à minha janela.
Imóvel.
Quando o céu pára de frente ao nosso olhar deve querer dizer-nos alguma coisa.
Por isso parei a ouvi-lo.
Esperei um sinal, uma cor a transformar-se, a viver-se no movimento de um sopro...
Imóveis,
estáticos,
eu e o céu,
a respirar-nos.
Só se ouvia o tempo, a sorrir-nos, em eco, “eu só paro no sonho”.
Foi então que percebi que o céu não parou na minha janela para eu lhe ouvir os silêncios, nem para me oferecer as cores.
Parou simplesmente porque resolveu pôr-se a sonhar…

15 outubro 2004

quando as palavras se cansam e não sabem dizer, cumplicidade...

Queria escrever-te, mas as palavras fogem-me, como se me dissessem, “Agora não! Espera que venham outras de nós, com outros sentires, Espera. Não te precipites. Nós hoje já estamos muito cansadas…”
Queria contar-te todas as histórias que me fizeram o dia. Queria dar-te o meu dia, para me veres inteiro e entenderes o porquê do meu vazio…
Talvez elas tenham razão, talvez as tenha usado em demasia. São muito vaidosas as minhas palavras, pintam-se todos os dias. Sabias?

Vou esperar…
Não!
Esperar não!
Vou visitar-te!

Assim, ao veres-me, saberás todos os passos que me levaram o dia, porque as palavras de todas as histórias que te tenho para contar, estão todas no meu olhar…

14 outubro 2004

tatuagem de olhares, gravada no sentir

Hoje sou tatuagem do olhar, cada linha de luz é cor, agulha sem dor que se dança na aragem, em formas de mãos que se dançam em sorrisos violeta-sépia. Dançam sozinhas, sem dançarina que se escondeu na cor.

(escondeu-se de propósito, em passos rápidos, "flamencos", só para a não esquecer )

13 outubro 2004

outra vez os azuis, mas desta vez, fora de prazo…

Os azuis têm esta tendência de se colarem ás (minhas) palavras, numa espécie de tentativa de fuga ao Outono, contrariando, em desafio, o meu (Outono), que tem castanhos de se perderem no olhar.
Derramam-se nas palavras, como se fossem um tinteiro endiabrado...(Até o meu “diabo” se veste de azuis. Devo estar com uma doença qualquer no olhar, ou no sonho que me invade de azuis…)


Tinha um quadro só de azuis com um barco na parede-muro-creme que me enfeita o quarto.
Abri a janela e voou (o barco, não o quadro, que ficou, a rir-se, em gozo de palhaço, em sussurros cínicos).
Fiquei a olhá-lo( o barco, não o quadro, repito, ainda incrédulo) em angústia, triste, desiludido.
Tínhamos prometido que nenhum de nós partiria sem o outro.
Certamente os azuis estavam estragados, porque os meus azuis só voam comigo todo lá dentro…

12 outubro 2004

um beijo

Um beijo, um simples beijo é uma ponte que une margens de um rio de vida. Ponte que une corpos que se dissolvem, se prendem em voo de pássaro. O beijo é uma rua, sem mapa, sem sentido, é uma porta, um abraço.
Não me peças para esquecer, porque já não sou eu, sou o olhar que voa,
na cidade,
na rua,
no corpo que é teu…

tu eras...

Tu eras espelho que me reflectia a dor,
gota
a
gota,
sem cor…

Tu eras a imagem que não me via
e
tempo
no
tempo,
derretia…

Eras chuva de pedra,
negra
usada,
vazia…
Agora,
és,
sopro de vento,
parado,
ausente,
lento…

11 outubro 2004

palavras sugadas...

Quando os dias nos invadem e nos sugam o tempo, resta-nos vasculhar a imaginação numa espécie de malabarismo bi-existencial, para escrever uma ou outra palavra que nos salve o dia. Não tive outra alternativa se não retirar o escrito do já dito noutros espaços. Palavras que fui deixando no nocturnidade escritas por impulso e em dialogo. Reacções de palavras, a palavras. Sentires do lido, escrito por alguém que se esconde no escuro e o transforma em grito-poema. Ressurgem agora isoladas, desgarradas desse espaço. Incompletas, mas aqui ficam com um agradecimento à Cláudia que as inspirou:

Não me perco nas grutas, porque as sei cavernas, escuras de luz,
sem alma.
Não me perco,
não me encontro,
não me procuro.
Sou cenário sem sombra.
Como nuvem,
como chuva,
voo,
em queda,
não agarro,
não prendo.
Caio,
só,
sem me levar…
Mergulho na vida,
e
arrasto-a,
comigo…
Todos calam,
ouvem-me os gritos,
silenciam-se no negro,
aflitos.
Fingem que não vêem,
mas sinto-os.
Pegam-me,
devoram-me,
estilhaçam-me,
sem asas,
no lixo.

Burros,
imbecis!

Ah se soubessem as cores que o lixo tem!

Sem odores,
pinto-os,
prostitutos,
podres,
sangue-cor,
ocres…

Rio-me, palhaço,
Em azuis-jasmim-aço.

Caio,
mergulho,
em abismo,
mas sei-Me,
sou-Me
sozinho,

contigo…

10 outubro 2004

gavetas esquecidas

Não sei se é influência da Inconformada ou não, mas hoje ao som de uma chuva que canta sem piano, mas que encanta em voz de embalar, fui às minhas gavetas, onde guardo pequenas colecções de outros pequenos nadas. Debaixo do forro escondiam-se algumas folhas manuscritas de mim, de anos outros, sem ordem mas datadas. Diz quem escreveu serem sentires de 1985 a 1997. Poucos, não mais que meia dúzia porque os que se escreviam com ordem, desapareceram, mas isso é história que não quero recordar. Peguei num que datava de Setembro de 85, mas que me levou algures para os anos sessenta. Li, o que se escreveu, assim:

Quando era pequeno tinha um urso de peluche. Era criança. Todas as crianças têm um peluche. Era o meu refúgio. Era a ele que confessava os meus medos, as minhas angústias, as minhas lágrimas. Quando os olhos se riam, ele ficava por ali caído, junto à cama, sempre disponível para me dar conforto nas noites escuras de pesadelo.
Hoje é apenas uma recordação. Consumi-o até já não ter olhos, braços ou pernas. Quando a palha do seu corpo lhe trespassou a pele passou a incomodar-me. Deitei-o no lixo, assim sem mais, sem despedida nem nada. Estava longe de imaginar que um dia me sentiria urso de peluche. Como se deve ter sentido triste o meu urso…

Que raio de jeito, tenho eu, que não há meio de me entender com o Mundo.
Queria poder fechar os olhos, inventar-me, viver com um sorriso na alma e afastar de vez esta constante tristeza de me sentir só.
Lembro-me de um dia com seis anos chamar o meu pai ao quarto, fechar a porta e pedir-lhe para se sentar na minha cama. Tinha uma coisa muito importante para lhe dizer. Senti-me muito importante e muito senhor da minha verdade. Solenemente disse-lhe: “ Pai! Hoje morri,….e amanhã também!!” O silêncio que se seguiu , ainda hoje o sinto. Estava à espera de um abraço, um conforto, um beijo. Ouvi “ Tenho muita pena, meu filho”. Ali fiquei, sozinho com a minha verdade. Nesse dia apertei o meu urso com muita força.
Já não tenho urso para abraçar e por aqui ando escondido nos meus caminhos, a tropeçar nas minhas pedras de olhos bem abertos, como quem se perdeu e não sabe que direcção tomar…

09 outubro 2004

se

o "se" é uma palavra amarga.
Dita ou sentida, implica aceitar que o sonho morreu, ou ficou a olhar as nossas costas...
O "se", é uma palavra perdida, que nos procura enganar...

07 outubro 2004

a revolta da cores

Bateram à porta, que entreabriram, sem esperar resposta. Envergonhadas, de olhos baixos, um conjunto de cores invadiram-me o espaço.
Podemos? Questionaram depois de me verem os olhos a perguntarem em silêncio de espanto, o que faziam todas aquelas cores no meu quarto, no meio do livro que se partilhava comigo. Que foi que aconteceu? Pergunto, agora de voz, meio sumida, não fosse assustá-las.
Vimos pedir a tua atenção!
A minha atenção? Como?
Queremos justiça, queremos ser tratadas todas da mesma maneira, afinal somos todas cores…
Não estou a entender, podem explicar-se melhor?
Não estamos a pedir que nos uses a todas, não é isso, o que queremos é ser todas importantes para ti…
Mas são todas importantes. É verdade que as uso com intensidades diferentes, mas sabem melhor do que eu que as cores que uso tem um pouco de cada uma de vós…
Mas quando nos dizes, nas palavras, não nos tratas de igual para igual…
Como não? Exclamo, em perfeito estado de admiração e de indignação!
Quando falas da Rosa dizes Cor-de-rosa, mas se dizes verde, não escreves Cor-de-verde, nem Cor-de-azul. Queremos ser todas Cor-de-Ti…
Fiquei quase mudo, quase estático, impressionado pelas cores, eu que nunca fui impressionista…
Prometes? Promete, promete, somos tão tuas amigas…
Prometo, com uma condição.
Qual? Qual?
Que não se zanguem com a rosa…

06 outubro 2004

búzio

Oiço um bailado veloz que se transforma em sentimento e derrama em palavras.
Passeia-se entre o ver e o sentir.
Provocante.
Chama-me em desafio, em aventura, no desconhecido,
a sós.
Sinto,
o bailado em sons de flauta e vejo-te,
bailarina,
linda,
rosa-transparente,
a olhar futuro,
em frente.
Quem és tu que se imagina dentro de mim e dança em palavras, como desenho que se pinta sozinho?
Ora és flor, ora és mulher, ora és imagem difusa que voa gaivota com perfumes de mar.
És som do búzio,
(que me ofereceram em palavras e se transformou), real,
grande,
branco-coral,
em som de encantar…
Oiço poema que se canta,
sem voz nem rosto e esvoaça, no meu sonho, no meu olhar.
É uma fada, sem magia,
pintada de fantasia, que diz, baixinho,
não sonhes,
criança…

Resisto,
vejo-a,
dança sem parar,
ora branca,
ora rosa a voar e a cantar.
Mergulho no búzio (que me deram para brincar) e oiço sozinho o mar,
a voar,

não desisto...

05 outubro 2004

o meu vermelho

Gosto de papoilas do campo, não é novidade. Ninguém fica indiferente à intensidade da sua cor e à sua fragilidade. É a imagem materializada da sensibilidade. Hoje , neste Outono de cores várias, húmidas, acordei com a imagem de uma seara Horizonte-trigo, de amarelos torrados, matizados pelo vento. O céu azul-naif, intenso. Perto do horizonte, um único e solitário vermelho seda, cheio de autoridade a captar todo o olhar do universo. Era a minha papoila…

oportunidade(s)

O desentendimento, é apenas um olhar visto de um ponto que julgavamos não existir. É por isso, uma oportunidade para a descoberta.
Vou estar atento aos meus desentendimentos e dar-lhes cor...

04 outubro 2004

03 outubro 2004

sermão de um pai, triste...

Pai, porque estás tão zangado comigo, se sempre que precisaste estive contigo? Porque não me olhas?
Não estou zangado, filho. Não te olho porque estou triste.
Triste? Porquê?
É verdade que estiveste presente, sempre que precisei de ti ou de alguém...
Estou triste porque nunca me deixaste estar presente, quando tu precisaste de mim e o amor, filho, para ser pleno, partilha-se…

02 outubro 2004

um quadro, o meu, de hoje...

Com as cinzas do dia, pintei um quadro. Uma enorme tela com traços a carvão. Uma tela cheia de sombras entre o negro e o cinza-prata. Imaginem um rio de manhã fria com o vale coberto de bruma e céu pesado, agora acrescentem chuva, daquela que se avista ao longe e que parece pinceladas de Van-Gogh, mas sem cor. Depois entretive-me a polvilhar o quadro com números, desenhados, muitos, variados, tombados, deitados, minúsculos, quase brancos, negros profundos, deformados. Sempre cinza-bruma, da cor do meu nevoeiro. Salientei uma ou outra sombra, um ou outro relevo. Pontos de fuga muitos. Escondidos pelos números. Do lado esquerdo em pormenor, esbocei em desenho quase técnico um sistema de roldanas denteadas, mecânicas. Humanas. Afastei-me do quadro. Senti-lhe o cheiro de floresta queimada. Quase ouvi o choro de um crispar em silêncios dos cinzentos, das cinzas. Ente o “UM”, quase negro, quase deitado, e o “SETE” que se debruçava em “S” por cima de um TRÊS, agarrei num verde-verde e desenhei um folha a desabrochar do cinza. Sorri. Não era o verde que era belo no meio das sombras, era a VIDA que atropelava a morte e o Homem…

01 outubro 2004

hoje

Hoje não escrevo.
Doem-me as palavras.
As minhas,
também...
choro sózinho,
sem elas,
no vazio.
além..

não uso tempos, nem agendas ou instrumentos outros que meçam pedaços do existir. é jeito meu. por isso passar de um ano para o outro é cousa...