Não era costume arrumar, fechar gavetas, como quem resolve um assunto, uma tarefa. Não era de todo arrumado, nunca fora, sempre agira com o impulso do sentir. Deixava-se ir na vida, como a água de um rio. Sabia-Se e isso bastava. Mas hoje, hoje, o dia, pintara-se de estranhas cores no olhar. Hoje, era um dia anormal no seu viver, uma espécie de eclipse solar, que sendo natural, rareia e torna-se único, especial quando é.
Hoje, fechara gavetas (não necessariamente arrumadas, no que se vê dentro. Fechadas, apenas, sem chaves, não fosse o destino saltar com emoções outras e baralhasse arrumação do sentir…).Fechara-as, uma a uma, não necessariamente com ordem, só o resultado do sentir, fazia prever harmonia (adivinha-se, só por este facto que pelo menos ordem emocionalmente estética havia, se é que o sentir possa ter estética ou mesmo ordem. Quem escreve acha-o).
Sentia-se leve, quase ausente, quase sereno, sentia chão, via-o, sem olhar, sem se fixar na cor, no reflexo, e isso era poema, era horizonte, quase Mar…
Faltava, apenas, só, a sua gaveta. Era a sua gaveta que o puxava e dizia-o, implorando, interrogativa, e Eu?
Sim, sabia-o, faltava a sua gaveta, não tinha espaço para ela, não tinha hierarquia, nem ordem, era a sua gaveta, o seu caos e assim deveria permanecer. Sua, desarrumada, esquecida…
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1 comentário:
Uma metáfora que muito me agradou. É assim mesmo, as gavetas vão-se fechando, umas mais arrumadas que outras, algumas para voltar a abrir e remexer. A mais difícil é a nossa... Gostei daqui.
Miss Kafka,
www.kafkiano.blogspot.com
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