30 abril 2004

desculpem

A quem me lê, ou lia, desculpem se falo de mim, mas quando o desenho confunde as cores com a noite, e nem é noite nem sombra, é escuro, não conseguimos sair deste invólucro egocêntrico que se funde no “mim

sem desenho, deserto, sem olhar, escrevi...

Escrevi sem parar, de raiva, sem desenho, sem olhar. Palavras, secas, de deserto, evaporadas, afiadas, doentes, dementes. De olhos fechados, escrevi, laminas, disparadas sem sentido. Escrevi, no papel, febril, sem afecto, sem calor, mas insisto, deserto. No fim, depois do ponto, agarrei no papel, amachuquei-o, humilhei-o, rasguei-o, queimei-o, insisto, febril e voltei a mim…

29 abril 2004

sem titulo, sem nome, porque não és. ( recado só para mim)

Espero em desespero , resposta, de mim, não de ti. Indeciso ou ausente, ando por aí, sem horizonte, porque me encontro em desencontro com ele, e torno-o pequeno, em mim.
Não espero um sim, mas um caminho, que percorro tacteando, sentindo, longe de ti. Sento-me na areia e oiço e quero. Não vens. Voas por aí.

no entanto eram árvores

Hoje as árvores dançaram, loucas, ora verdes, ora sombra-verde-prata, a fingir-se levantadas do chão.
Não eram folhas, eram ondas, crina de cavalos alados, que não sabem para onde vão.

28 abril 2004

fui

E o menino disse, em sussurro, baixinho, anda, vem comigo...
Fiquei assustado, porque o sonho era lindo, mas tinha cruz que sofria, mas fui com o menino, não sei se no sonho, se sozinho...
Fui, com os passos que me voam nos olhos, sempre com ele, com o menino, no caminho.

duvida

Caminho decidido, comigo. Vou, sem as palavras que me lembram menino. Bato à porta e entro, ausente e sério, austero e digo-Me, sem o menino.
Relembro o que os Mestres mostraram, para saber se é dúvida, se é medo, coragem ou cobardia, o ter que ser sério e frio, para voltar a sentir o menino…

27 abril 2004

de pernas para o ar...

A noite adormeceu cansada e deixou cair todas as estrelas no meu caminho. Parei aflito, não fosse pisar a minha estrela, que atrevida não chamou por mim, nem para me perguntar o que fazia eu, àquela hora, naquele caminho, de pernas para o ar…

26 abril 2004

apontamentos...

Olha-te com verdade e verás a mentira que és!
In “apontamentos para um manual de serenidade dedicado a todos os alunos que me habitam”
Escrito em jeito de meia resposta a uma provocação colectiva da Witheball a 23 de abril

24 abril 2004

amanhã

Recordo menino-flor, vermelha, encarnada que guarda em arma fria, carregada, fotografia, antiga que se revolta, libertada…
Pergunto-me indignado e lúcido, triste e revoltado, até quando o símbolo que liberta, é arma disparada…

23 abril 2004

excelência,

Pinto-te macaco em cores de papagaio, Tu que te vestes de gravata e fato apropriado e te agachas em aplausos submissos e sorrisos cínicos, Tu que te vergas , Tu que te engasgas com Sua Excelência em salamaleques ordinários e medrosos, Agonias-me em cheiros de dejecto que se espalha no ar, em nuvem contaminada de cobardia. Tu que te levantas em aplausos à passagem de Sua excelência, reflectes vermelhos de vergonha, mas sem ela. Riu-me de Ti e Dele em gargalhada aberta, que se abafa nos aplausos, mas riu, e oiço-me, e mostro-me, e vês-me, e olhas, primata com cores de chimpanzé. Discursas de boca cheia, mas só tu te ouves, e sentes-te César, e vês-te no coliseu de polegar virado, armado em matador, Tu que decides, Tu que te envolves nas gravatas de alfaiate, e falas de povo, e falas de macacos que te aplaudem, Peço-te, humildemente, tem vergonha, cala-te, olha-te ao espelho e vê que esse papagaios não voam, Exige andorinhas, exige gaivotas, exige o que quiseres, mas macacos não, papagaios não que cheiram mal, cheiram a podre, e as palmas são patéticas e as palavras são iguais às tuas, Tem coragem, e envolve-te com quem te diz não, tem vergonha dos sim excelência, que são cínicos, e só tu não vês. Olha nos olhos e diz o que pensas, não te engasgues em compromissos que não sentes e não queres. Segue o teu caminho, porque se não é o teu, deixa a tarefa para quem o saiba, Autentico, sem fingimentos, sem fugas, mal ou bem, mas Verdadeiro. (Não tenho jeito para isto, prefiro o circo, os saltimbancos, os palhaços, os animais, com cor ou sem cor, esboço de carvão em papel amarrotado, mas autênticos, reais.)

22 abril 2004

um beijo ao longe, para longe...

Passei a mão pelo teu olhar, de longe, como quem afaga o cabelo que se liberta no vento e na brisa do mar. Baixas os olhos, escondes sorriso em cor tímida. Ouviste o que o Ver te levou nas palavras que não disse, que adivinhaste, que sentiste. Foi a minha vez de sorrir e (des) olhar-te , tímido também, só que sem cor, porque os anos já são outros. Pinto o momento, sozinho, em cor-de-mar, em cor-de-onda, em cor-de-rocha. Pinto sem desenho, porque o traço limita o sentir e eu não quero interferir, deixo que o quadro se pinte, nasça e com a cor se embale, como onda. Ela volta, volta sempre, nova, outra, mas sempre cor-de-onda, de mar…

dia que acordou à noite

O dia acordou-me brusco, antipático ao som de zumbidos de mosca, persistente, teimoso. Finjo silêncio, mas ele insiste em ferir-me, em espicaçar-me o corpo cansado que ainda dorme. Olho-o, mas ele não pára(que zumbido, não se faz sem voo).
Decido-me esquecê-lo, em ignorância de o ver. Recuso-me preenchê-lo. Mas não me deixa, não me larga, zumbe, insulta, estremece, magoa. Olho-o em desafio incontido, como quem provoca o touro em arena colorida de pó e sons de corneta. Dou um passo, outro, e mais um em corrida curta e medrosa e aí vou…

21 abril 2004

cores que se fingem

Pesam-me as palavras que não digo. Respiro-as e desenho-as em folhas que se misturam em voo de pássaro, com cores que se fingem de Outono.
As palavras prendem-se, atropeladas na angústia de se ouvirem, fechadas, sem sentir.
Grito que se inventa semente de flor que não vê o dia.
Já não há folha, não há pássaro nem grito, nem palavra nem poesia, apenas nuvem cinzenta, que chora sozinha…

20 abril 2004

não te sei, mas vejo-te

Desenho-te, sentada em mesa de café. Envolvo-te em azuis cinza e luz pouca, que se fuma, que se esfuma. Pensas, olhas-te no papel que escreves, nas palavras que te dizes.
Não te sei, mas vejo-te. Sonhas em tons creme de azuis que vivem, e dançam e embalam.
Desenho-te silhueta em sono de menina, agora deitada, a ouvir as palavras que te dizem

19 abril 2004

o ponto

Sabes onde está o ponto?
Se sabes então nunca andarás perdido!
Se não sabes, procura-o, antes de tentares compreender-te, porque o que entenderes, se não partir do ponto, não és tu, és outro…

In " apontamentos para um manual da serenidade, ou como podes andar durante muito tempo enganado se não estiveres atento ao começar, ou ao partir..."
(Não é demais agradecer ao Mestre que o procurou, e que sem querer, me ajudou a procurar o meu...)

Bate-me à porta.
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O coração salta-me em descompasso, em grito surdo que me assusta. Olho e olho-me perdido no vazio de quem me chama.
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Não encontro rosto, nem feições, nem lágrima, nem emoção. Salto-me em muro que se ergue.
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Explosão de dor que persegue, que corre, que encontra e arde.
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O espelho estilhaça em sangue de menino que olha, que Te olha.
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pedras sem alma

Pedra que voa,
esvoaça,
dilacera
,magoa.
Pedra que julga,
que mata,
não perdoa.
Pedra lançada,
que mata,
mulher que chora,
que olha.
Mão de pó,
rios de lágrima,
sem hora,
sem dó,
sem alma,
que mata…

(A Safya, Amina e Fatima Usman acusadas de adultério e condenadas à morte por lapidação)

18 abril 2004

bolinar a olhar para diante...

Se fores ter à margem de um rio e este te criar a ilusão que corre em sentido contrário, lembra-te de velas triangulares, criadas em cabala,sofridas, em cruz,em chagase bolina...
Se as não tiveres por perto, só te resta mergulhar, acreditando que lá no fundo, o Rio corre na direcção certa.

16 abril 2004

presença

Não sei se tens asas, se és presença, se és olhar que se intersecta no meu, mas sei que aí estás, a inventar-me histórias, a colorir-me a paisagem, a orientar-me o sentido. És sombra colorida que murmura, melodia que esvoaça em vento. Estás e empurras-me ao de leve, sem te mostrares. Estás, em forma de nada, disfarçado em mim e para mim…

15 abril 2004

desenho de criança, em dia de sol

Não sei se é da luz, se da aragem que me percorre o Ver, mas as cores andam a saltitar, loucas, de uma história para a outra, insistindo em ter vida própria, ao ponto de recusarem a fixar-se no quadro, Parecem desenho de criança, que se esconde envergonhado no imaginário e se esquece das formas…

14 abril 2004

sorriso

Cruzei-me com mulher que se passeava, ausente a sorrir sozinha. Fixei a imagem porque bela e como intruso, furtivo, tentei redesenhar aquele sorriso, que era só dela, e eu tomei como meu.
Inventei-lhe uma história que coubesse no quadro. Sorria recordação, de filho ausente, em cidade séria, de estudos, a educar-se na esperança de um futuro, sorria filho de tempos outros a puxar-lhe a saia em busca de colo, em busca de afecto, de beijos e de sorrisos, sorria saudades, sorria de amores a esconder-se de sombras e de carinhos que esvoaçavam longe, em tempos em que lhe orientava os passos, de mãos dadas, sorria, sozinha com o coração cheio de filho...

13 abril 2004

quadros guardados que o deixaram de ser

Misturei-me nas cores e pintei, preenchi-me de tonalidades e texturas, de desenho que guardava em imagens e que suavemente permiti que esvoaçassem em tela branca.
Os tons de seara, penteada de mar, escorreram em forma de lágrima, colorida de universo(s) e de sorrisos. Quadros multifacetados de um olhar que deixou de se esconder e se libertou em cor.

12 abril 2004

o instante

Tudo indicava que seria um dia normal, igual a tantos outros que em fila, se sucediam em cadência de rotina, uns com mais luz, outros com ligeira névoa, tons e cores vários, que de alguma forma, imprimiam uma vontade de os descobrir, de os usar, Vezes, todo, (que o Tempo não é para se estragar), outras, apenas de fugida, (que o cansaço e a curiosidade não duram sempre). Este, que se escreve hoje, em forma narrativa, pausada e de palavras bem escolhidas, foi ÚNICO, e andou dentro do personagem dias seguidos até chegar ao desenho e à imagem, como quem quer guardar só para si tão sublime momento. Mais calmo, menos egoísta, resolveu segredá-lo a quem o escrevesse, porque ele não tinha palavras para os contornos, para as cores, para o sentir do momento.
Para onde quer que fosse, escolhia sempre um local, onde ao fim do dia pudesse encontrar-se consigo, em forma de reflexão, onde explorava os seus limites, físicos e mentais, em corrida, onde ele conseguia ser só ele e se renovava para o dia seguinte, Era assim que ganhava animo e forças para reinventar o novo dia, era assim há anos, muitos.Para onde fora, em descanso, também tinha o seu canto, o seu espaço e lançou-se em corrida, em pensamentos seus, onde as sombras, os bancos de jardim, as acácias rubras, os pinheiros mansos, as memórias, o acompanhavam , em harmonia intima a brincar com as cores e com o sentir, Momentos havia que lhe apareciam palavras novas, histórias novas, carinhos e afectos que rescrevia para si e para os outros, em imagem, vezes, filtrada e cuidada, vezes outras, assim tal qual, ao jeito selvagem, como quem pinta um quadro de uma só cor, de uma só vez.
Naquele dia tudo foi diferente, e por mais que este narrador lhe suplicasse descrição mais concreta, não conseguiu mais do que "um momento de uma intensidade e de uma beleza imensurável". (Temos que admitir que é pouco e se imensurável, presume-se que indescritível e a vontade que dá é ficarmos por aqui…)
Mas sabemos que este narrador tem relação privilegiada com o personagem, e vezes várias consegue mergulhar nas cores que se lhe formam no sentir e a tarefa torna-se mais simples, até porque as cores são sempre simples, a moldura é que estraga sempre tudo.
Confirma-se a” inexplicabilidade” do facto, Vamos admitir que foi uma conjugação de momentos únicos que resolveram convergir num Instante,( temperatura, perfumes de pinheiro e réstias de eucalipto, aragem de montanha a visitar o mar, que se perdia no alto, sol-pôr, esforço físico no limite, e outros inúmeros momentos únicos que não se descortinam nas profundezas da mente deste nosso amigo), e num ápice, deixou de se sentir, deixou de se pertencer e explodiu em “Espírito”, o seu corpo ali estava em corrida louca, mas ele era coisa ”nenhuma” e coisa “toda” ao mesmo tempo, e só deu conta que se tinha esfumado na paisagem, nos elementos que o rodeavam, quando se ouviu em discurso directo a falar com ELE, e incapaz de descodificar o momento, ouvia-se ao longe, no corpo que corria, um repetido “já valeu a pena, já valeu a pena”, como que resignado e esmagado com a beleza do instante e a sua vida se resumisse e convergisse para aquele dia, aquela hora .
Ele sabia, (já o tinha constatado vezes outras) que o seu crescimento tinha sido por etapas, aos solavancos, nesse dia teve consciência que tudo seria diferente, até o olhar…

05 abril 2004

passeio pela vida

Encontrei homem, carregado de sabedoria, de face gravada e olhar no caminho que suplicava às pernas, passos curtos e lentos, não fosse a vida assustar-se com a sua passagem…

02 abril 2004

fada sininho

Escondeu-se num copo esguio, cheio de reflexos, em corpo de” arte-nova”, de cigarrilha igual, de fumo ausente. Imaginei-lhe musica, em paços doces, em abraço uno. Capto-lhe os odores, o perfume, em sons de saxofone triste. Fecho os olhos e durmo...
"Anjo da guarda?"
"Fada sininho?"
Não sei resposta, levou-me a alma, em silêncio...
Devagarinho...

01 abril 2004

porta de coisa nenhuma

Atravessei porta após subida de escada que se afunilava para o escuro. Uma simples porta, moldura de madeira negra, entreaberta de luz. Chegado, interroguei-me sobre o sentido daquela passagem e não encontrei algum. (Só mesmo um tolo se daria ao trabalho de colocar uma porta no cimo de uma escada que leva a lado nenhum). Senti o tempo que escoo a abrir portas que escondem o vazio, em passatempo interior que só eu vejo, que só eu sei.
Pintei a porta com "cores-de-paisagem", virei-lhe as costas e esqueci-me do lugar.(Muito ao longe ouvi a escada a troçar de mim, em risos soluçados de alegria…)

não uso tempos, nem agendas ou instrumentos outros que meçam pedaços do existir. é jeito meu. por isso passar de um ano para o outro é cousa...