12 abril 2004

o instante

Tudo indicava que seria um dia normal, igual a tantos outros que em fila, se sucediam em cadência de rotina, uns com mais luz, outros com ligeira névoa, tons e cores vários, que de alguma forma, imprimiam uma vontade de os descobrir, de os usar, Vezes, todo, (que o Tempo não é para se estragar), outras, apenas de fugida, (que o cansaço e a curiosidade não duram sempre). Este, que se escreve hoje, em forma narrativa, pausada e de palavras bem escolhidas, foi ÚNICO, e andou dentro do personagem dias seguidos até chegar ao desenho e à imagem, como quem quer guardar só para si tão sublime momento. Mais calmo, menos egoísta, resolveu segredá-lo a quem o escrevesse, porque ele não tinha palavras para os contornos, para as cores, para o sentir do momento.
Para onde quer que fosse, escolhia sempre um local, onde ao fim do dia pudesse encontrar-se consigo, em forma de reflexão, onde explorava os seus limites, físicos e mentais, em corrida, onde ele conseguia ser só ele e se renovava para o dia seguinte, Era assim que ganhava animo e forças para reinventar o novo dia, era assim há anos, muitos.Para onde fora, em descanso, também tinha o seu canto, o seu espaço e lançou-se em corrida, em pensamentos seus, onde as sombras, os bancos de jardim, as acácias rubras, os pinheiros mansos, as memórias, o acompanhavam , em harmonia intima a brincar com as cores e com o sentir, Momentos havia que lhe apareciam palavras novas, histórias novas, carinhos e afectos que rescrevia para si e para os outros, em imagem, vezes, filtrada e cuidada, vezes outras, assim tal qual, ao jeito selvagem, como quem pinta um quadro de uma só cor, de uma só vez.
Naquele dia tudo foi diferente, e por mais que este narrador lhe suplicasse descrição mais concreta, não conseguiu mais do que "um momento de uma intensidade e de uma beleza imensurável". (Temos que admitir que é pouco e se imensurável, presume-se que indescritível e a vontade que dá é ficarmos por aqui…)
Mas sabemos que este narrador tem relação privilegiada com o personagem, e vezes várias consegue mergulhar nas cores que se lhe formam no sentir e a tarefa torna-se mais simples, até porque as cores são sempre simples, a moldura é que estraga sempre tudo.
Confirma-se a” inexplicabilidade” do facto, Vamos admitir que foi uma conjugação de momentos únicos que resolveram convergir num Instante,( temperatura, perfumes de pinheiro e réstias de eucalipto, aragem de montanha a visitar o mar, que se perdia no alto, sol-pôr, esforço físico no limite, e outros inúmeros momentos únicos que não se descortinam nas profundezas da mente deste nosso amigo), e num ápice, deixou de se sentir, deixou de se pertencer e explodiu em “Espírito”, o seu corpo ali estava em corrida louca, mas ele era coisa ”nenhuma” e coisa “toda” ao mesmo tempo, e só deu conta que se tinha esfumado na paisagem, nos elementos que o rodeavam, quando se ouviu em discurso directo a falar com ELE, e incapaz de descodificar o momento, ouvia-se ao longe, no corpo que corria, um repetido “já valeu a pena, já valeu a pena”, como que resignado e esmagado com a beleza do instante e a sua vida se resumisse e convergisse para aquele dia, aquela hora .
Ele sabia, (já o tinha constatado vezes outras) que o seu crescimento tinha sido por etapas, aos solavancos, nesse dia teve consciência que tudo seria diferente, até o olhar…

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não uso tempos, nem agendas ou instrumentos outros que meçam pedaços do existir. é jeito meu. por isso passar de um ano para o outro é cousa...