17 maio 2004

(des)encontro

Pediram-lhe um sorriso, não o conseguiu. Guardou-o para a sua hora, naquele dia, em forma de história.
Conta, encontros e desencontros de coisas simples, de um pastor e de um menino. Um guardava rebanho, o outro, sonhos enquanto corria. Cruzavam-se dia após dia, a horas várias, mas sempre no mesmo caminho, junto a águas que os acompanhava em melodias, que cada um ouvia conforme sentia.
Quando se transformavam em encontro, Pastor, rebanho e menino, este, educado, abrandava o passo que corria e perguntava, “Posso? Bom dia! “
Não esperava resposta, que sempre havia, quase eco pois só ouvia “dia”. O facto é que ou por o sentir ovelha, ou por outra coisa ainda, o rebanho não fugia, só se afastava para deixar passar quem ia.
Foi assim, dia seguido de dia, o Pastor sempre o mesmo, o rebanho esse, não sabia, porque nessas coisas de ovelhas era ignorante o menino.
Houve porém vez em que se deu o desencontro, ou o menino, o já não era, ou o peso dos seus passos eram outros, ou simplesmente o Pastor não ouvia o Rio, o certo, é que ainda hoje não se sabe o porquê do que se passou. A verdade é que quando depois do “Bom dia”, se cruzaram, pastor, menino (que quase entendemos o já não era) e ovelhas, estas por aí foram a correr, a balir e a sinar ( palavra estranha, inventada por certo, o narrador desgostou de juntar balir a badalar, mas que se ouve sino pequenino e assustado), em passo apressado de fugida. O Pastor em voz fúria disse, “Este caminho é de cabra, não é para correr! Neste caminho ando eu”. ( não, não era eco não senhor, era voz trovão de pastor). O menino (já que começamos a chamar-lhe assim, não custa nada manter a ilusão, que por dentro ainda o há, e que por fora ainda se sente, o que de resto nem é importante para a história), continuou, sem medo, porque o não tinha, mas preocupado, porque afinal, aquele seu caminho, era de outro, era do pastor, que o Vivia.
No outro dia, pois lá estava, que era respeitoso o menino, mas não medroso, lá foi correr junto ao seu rio, quando avistou de longe o Pastor e o rebanho que o seguia, desviou-se para verdes mais em baixo, e quando lhe viu olhos, acenou-lhe e disse “Bom dia”.
O pastor levantou cajado em aceno vistoso e alegre e sem ser em eco difuso largou um sorriso corrido de um “ Bem-haja, menino, tenha um Bom Dia”.
Sentiu-se bem o menino, por lhe ver nos olhos tanta alegria, no Pastor que afinal, só naquele dia o vira.
Conclusão, não há, a não ser que ao lê-la, tenha sorrido. O narrador, esse, teve-o sempre consigo, enquanto escrevia, pois foi isso que se lhe pedia. Um sorriso.
Mas o menino, esse cresceu naquele dia, pois aprendeu que por vezes, é necessário afastar-se para não haver desencontro e que nem sempre o estar perto, mesmo dando bom dia, provoca encontro, ou alegria...

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não uso tempos, nem agendas ou instrumentos outros que meçam pedaços do existir. é jeito meu. por isso passar de um ano para o outro é cousa...